Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 25, 2007

André Petry


Cansei de rir

"Oposicionistas dizem que o 'Cansei'
só tem ricos e dondocas porque sabem
que, classificados assim, ricos e dondocas
ficam petrificados diante da culpa do que
são – ricos e dondocas"

A política nacional, com seus protestos e conchavos, suas campanhas e manifestos, suas passeatas e invasões, costuma ser dolorosamente tediosa. Agora, as coisas estão mudando. Desde que foi lançado o Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros, batizado de "Cansei", a vida política nacional ficou muito divertida. Divertida porque o pessoal do "Cansei", sendo notoriamente uma extração de ricos e gente de classe média, detesta ser apontado como rico e gente de classe média. Eles ficam cansados. Seus garotos-propaganda são figuras como Hebe Camargo, Ivete Sangalo, Ana Maria Braga e Regina Duarte – esta última uma coitada nacional, que além do medo vive agora o cansaço. A turma, junta, é como uma réplica da capa da revista Caras, a publicação que retrata a vida e o glamour dos ricos e famosos. Mas eles não gostam de ser apontados como ricos e famosos. Eles ficam cansados.

É divertido isso. A recusa ao rótulo do que são e sabem que são deve explicar-se pela mesma razão que, até pouco tempo atrás, levava o pessoal da direita nacional a não admitir ser chamado de direita nacional. Depois que a esquerda tomou o rumo das cucuias, a direita começou a colocar a cabeça para fora. Só depois. Antes, parece que só se admitia ser de esquerda. Como agora, parece que só se pode admitir ser pobre, assalariado, classe baixa, D e E. Qualquer coisa acima disso é insulto.

O que o pessoal do "Cansei" parece ignorar é que recusar o rótulo do que efetivamente eles são apenas ajuda a deslegitimar aquilo que tem toda a legitimidade – fazer uma passeata, por exemplo. Noutro dia, 2.000 ou 5.000 pessoas, sabe-se lá o número exato, tomaram as ruas de São Paulo. Era gente de classe média e alguns ricaços. Hebe Camargo descendo do seu carrão importado cercada de seguranças, por exemplo. E aí? Qual o problema? Os ricos também podem ir às ruas, também podem fazer protestos. Por que não poderiam, num regime democrático como o brasileiro? Os oposicionistas dizem que o "Cansei" só tem ricos e dondocas porque sabem que, classificados assim, ricos e dondocas ficam petrificados diante da culpa do que são – ricos e dondocas. Qual o problema? Ou por acaso já se viu algum sem-terra recolhendo as bandeiras vermelhas, vexado de culpa, porque alguém o acusou de miserável que não tem onde cair morto?

A crise de identidade do "Cansei" é ainda mais divertida porque seus representantes ficam apavorados quando se diz que são contra o governo Lula, são oposicionistas, antipetistas, tucanos. Não deveriam nem responder. Por acaso é crime ser contra o governo Lula? Ser oposicionista? Ser antipetista? Tucano? É tão legítimo ser de esquerda quanto de direita, ser eleitor de Lula ou de Fernando Henrique, embora haja nisso uma vasta diferença. Por que o pavor de ser classificado de oposicionista? Por que o medo? Aqui, vale o mesmo: ao se assustar com a acusação de ser contra Lula, o pessoal do "Cansei" sabota a ampla legitimidade de ser contra Lula, contra o PT, contra tudo-isso-que-está-aí.

Com esse papelão, o pessoal do "Cansei" fica tão cômico quanto os petistas exaltados dizendo que qualquer crítica a Lula só pode ser golpe ou conspiração.

É de morrer de rir.


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