Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 25, 2007

Fotógrafo flagra diálogo de ministros do Supremo

Confidências virtuais

Mensagens eletrônicas trocadas por dois ministros
durante julgamento do mensalão criam embaraço no
STF e revelam que nem a mais alta corte de Justiça
do país está livre de intrigas e fofocas


Alexandre Oltramari

Lula Marques/Folha Imagem, Celso Junior/AE e Roberto Stuckert Filho/Ag. O Globo
A ministra Cármen Lúcia e o ministro Ricardo Lewandowski, flagrados numa frenética troca de mensagens: críticas, futricas e uma estranha suspeita

Enquanto o procurador-geral da República sustentava suas acusações contra os mensaleiros, no primeiro dia do julgamento, dois dos dez ministros do STF não tiravam os olhos e os dedos do teclado de seus computadores portáteis. A distração, incomum em meio ao formalismo da mais alta corte do país, chamou a atenção dos fotógrafos. Um deles, do jornal O Globo, apontou sua lente para os monitores da dupla. Com a ajuda da lente, descobriu e acompanhou a distância a causa de tanta distração. O resultado foi um constrangimento geral. Os ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, os dois mais jovens juízes do STF, passaram boa parte do julgamento trocando e-mails pela intranet, a rede interna de computadores do tribunal. Pela tela, eles dividiram impressões sobre a atuação do procurador, revelaram parte dos próprios votos, discutiram questões internas e fizeram futricas sobre colegas da corte. A conversa lateral ganhou alguma seriedade quando os magistrados comentaram o voto de um colega e insinuaram que o ministro Eros Grau, apelidado de "Cupido", poderia rejeitar a denúncia em troca da indicação de um amigo para a vaga do ministro Sepúlveda Pertence, que se aposentou há duas semanas.

É inimaginável que um ministro da mais alta corte do país vá orientar seu voto em função de interesses domésticos. Mas a insinuação só não ficou delimitada ao terreno do mexerico porque de fato existe uma luta subterrânea pela indicação do substituto do ministro Sepúlveda Pertence. Um dos principais candidatos à vaga é o ministro do Superior Tribunal de Justiça Carlos Alberto Direito, que teria o ministro Eros Grau como um dos padrinhos. Por isso, a revelação dos diálogos de Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski provocou um tremendo desconforto entre os magistrados da corte. A pressão do ministro Eros Grau subiu e ele teve de ser atendido pelo serviço médico do STF. Eros Graus ainda queria tomar satisfações com a colega, mas foi demovido por seus assessores. Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski também cogitaram a possibilidade de abandonar o julgamento, declarando-se impedidos por estar discutindo votos, um comportamento que não é ilegal, mas também não é usual. Foram igualmente demovidos por assessores e colegas. O ministro Carlos Ayres Britto, citado na troca de mensagens, colocou panos quentes. Ele negou que os votos fossem previamente combinados. "Aqui não existe arranjo, não existe alinhamento, ninguém se alinha com ninguém", afirmou o magistrado.

O único consenso em torno da futrica on-line de Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia foi sobre a atuação da imprensa. Ministros e advogados de defesa dos acusados condenaram a divulgação das conversas. "Acho grave, ou melhor, gravíssima essa invasão da privacidade dos ministros por parte da imprensa", disse José Luis Oliveira Lima, advogado do ex-ministro José Dirceu, acusado de chefiar a quadrilha do mensalão. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em nota oficial, também reagiu à divulgação dos diálogos. "O Brasil não pode virar um imenso Big Brother, em que a privacidade seja banida. Sem privacidade, não há liberdade", diz um trecho da nota. Os ministros estavam participando de uma sessão pública, dentro de um órgão público e tratando de assuntos de interesse público. Se o problema é só privacidade, basta deixar o bate-papo digital para depois do expediente, na discrição de seus gabinetes ou no aconchego de seus lares, longe dos olhos, ouvidos e lentes da imprensa.

FUTRICAS ON-LINE

Durante o julgamento, os ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia criticam a denúncia do procurador da República e revelam partes dos próprios votos...

Lewandowski – Coerência é tudo na vida!
Cármen Lúcia – Lewandowski, confome lhe disse, ele está começando pelo final, indicando os fatos de trás para frente...
Lewandowski – Tem razão, mas isso não afasta as minhas convicções com relação àqueles pontos sobre os quais conversamos. Ele está – corretamente – "jogando para a platéia"
Cármen Lúcia – É, e a tentativa de mostrar os fatos e amarrar as situações para explicar o que a denúncia não explicou...
(...)
Lewandowski – Carmem, não sei, não, mas mudar à última hora é complicado. Eu, de qualquer maneira, vou ter de varar a noite. Mas acho que podemos bater um papo aqui mesmo... Minha dúvida é quanto ao peculato em co-autoria ou em participação, mesmo para aqueles que não são funcionários públicos ou não tinham a posse direta do dinheiro

...insinuam que o ministro Eros Grau teria interesse na nomeação de um ministro para o STF e isso poderia ter influído no seu voto...

Cármen Lúcia – Vou repetir: me foi dito pelo Cupido (ministro Eros Grau) que vai votar pelo não recebimento da den. (denúncia), entendeu?
Lewandowski – Ah. Agora, sim. Isso só corrobora que houve uma troca. Isso quer dizer que o resultado desse julgamento era realmente importante (cai a conexão)

...e futricam sobre o futuro do relator do processo, ministro Joaquim Barbosa

Cármen Lúcia – (...) Esse (Joaquim Barbosa) vai dar um salto social agora com esse julgamento e Carlinhos está em lua-de-mel com os dois aqui do lado.
Cármen Lúcia – Não liga para a minha casmurrice, é que estou muito amolada por ter acontecido (ilegível) passados para trás e tratados com pouco caso. Depois passa.

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