Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, agosto 31, 2007

Luiz Garcia - Crime, castigo & prevenção



O Globo
31/8/2007

A aproximação dos episódios pode ser fortuita, mas não inteiramente forçada: depois da decisão do Supremo, talvez seja instrutivo colocar sob a mesma lente Mensalão e Watergate.

Apesar de óbvias diferenças, os dois escândalos têm significativos pontos em comum. O mais evidente: em ambos, as tramóias foram montadas pelo grupo no poder visando a nele permanecer indefinidamente. Existe certamente a possibilidade de que, ao fim e ao cabo, outras coincidências apareçam. A mais óbvia é a de final feliz na busca da Justiça, com punição - exemplar, como dizem os otimistas- dos culpados.

Em Washington, os objetivos do grupo do presidente Richard Nixon iam além da reeleição em 1972, que foi conseguida com facilidade, como quase sempre no sistema americano. A meta era de eternização no poder: exigia desmoralização em regra da oposição.

A conspiração fracassou por incompetência e azar. Primeiro, os homens que, meses antes das eleições, tentaram instalar gravadores num escritório do Partido Democrata foram presos porque esqueceram uma porta aberta. Depois, com o escândalo já ardendo, o envolvimento direto de Nixon na tramóia foi provado porque, por acaso, descobriu-se que todas as conversas na Sala Oval da Casa Branca eram gravadas. Mesmo quando as investigações do Congresso e dos tribunais chegaram nos calcanhares do presidente, a ninguém ocorreu destruir as fitas. Nixon teve de entregá-las e renunciar, num final adequado - e feliz - para a triste história.

Graças à comédia de erros, mais que punir os criminosos do momento, Watergate ajudou a aperfeiçoar a democracia americana. Não apenas indivíduos e grupos pagaram por seus crimes: todo o sistema político, particularmente no caso das campanhas eleitorais, perdeu defeitos e se livrou de umas tantas armadilhas.

Temos o direito de esperar algo parecido no Brasil. Afinal, as duas conspirações são bastante parecidas, nos objetivos e nas ambições. É o quanto basta para que o episódio americano nos sirva de exemplo e inspiração.

Cá como lá, os culpados podem ser punidos. Provavelmente, diversos serão. Mas pouca gente está atentando para outro desdobramento, possível e necessário, do processo no STF: nada impede que a limpeza geral, do porão à caixa-d"água, seja acompanhada da adoção de normas e controles que impeçam novos mensalões. Se lá chegarmos, não haverá diferença importante entre Watergate e Mensalão.

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