Cinema
Unidos pelo medo
Em Possuídos, de William Friedkin,
o terror pode ser antídoto à solidão
Isabela Boscov
Tida como boa de copo e de briga, a garçonete Agnes é, entretanto, na interpretação de Ashley Judd em Possuídos (Bug, Estados Unidos, 2006), um estudo daquela vulnerabilidade feminina que, ou se esconde atrás de uma couraça, ou é destruída pela violência masculina. Às amigas, Agnes anuncia que não tem medo do ex-marido (Harry Connick Jr.), que acabou de sair da prisão e liga para ela várias vezes ao dia. A bravata esconde um pedido de socorro. A única pessoa que o ouve é Peter (Michael Shannon) – um sujeito estranho, mas cheio de um respeito que não faz parte do repertório de Agnes. Estabelece-se, assim, uma relação de confiança, que começa com sexo e vai terminar em paragens inusitadas. Peter é presa de uma alucinação crônica: a de que há insetos em toda parte – até saindo de dentro de seu corpo. Essa loucura é a única forma de expressão íntima que ele possui. E, por estar tão sedenta pelo contato, Agnes se deixa contagiar por ela, passando a ver as mesmas coisas que o amigo. Dados esse tema e a direção de William Friedkin, de O Exorcista, Possuídos, desde sexta-feira em cartaz, vem sendo vendido como um filme de terror. Só se for o terror de uma solidão tão plena que, se para rompê-la for preciso ceder a uma paranóia infecciosa, que seja. O filme só se aproxima de O Exorcista num aspecto: na visão de Friedkin de que, seja seu objeto o demônio, os insetos ou a solidão, e seja ele real ou imaginário, o medo é uma vocação humana. Existe sempre, ainda que em estado latente e informe. E sempre vai achar um meio de se manifestar.