Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 23, 2007

O Supremo no chão

O Supremo no chão 1 – Conversa sugere que próximo mi

Reinaldo Azevedo

Já escrevi dois textos tratando daquele vídeo do PT (leiam abaixo) em que o partido confessa que seu objetivo é pôr o “ESTADO A SERVIÇO DE UMA CLASSE”. No caso, o partido diz que é a “classe operária”, que ele julga representar. Não representa. O PT representa, isto sim, é a nova classe social que chegou ao poder: a dos burgueses do capital alheio, de que Lula é o chefe máximo. Essa tomada do estado está em curso. E a reportagem do jornal O Globo de hoje, em que dois ministros do Supremo aparecem comentando seus prováveis votos — a favor dos mensaleiros — e especulando sobre o voto de um terceiro é parte desta conquista do estado.

Para quem ainda não sabe: Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia trocaram mensagens pela Intranet do Supremo enquanto o procurador geral fazia a sua exposição. Deram a entender que vão rejeitar ao menos parte da denúncia. E sugeriram que um dos colegas, Eros Grau, a rejeitará na íntegra. E saibam: isso ainda não é o pior. Tudo indica que o resultado do julgamento vai interferir na nomeação do próximo ministro do tribunal.

“Ele [o procurador] está corretamente jogando para a platéia”, escreve Lewandowski. Ao que responde Carmen Lúcia: “É, é tentativa de mostrar os fatos e amarrar as situações para explicar o que a denúncia não explicou”. Não há escapatória. Esta ministra com nome de cantora de bolero já tem o seu juízo formado e o expressa ao colega, que acaba concordando com ela. Os dois chegam a marcar uma reunião, com os respectivos assessores, para tratar do assunto. Sim, já é coisa escandalosa e direi por quê. Mas o pior estava por vir.

Ela comenta o voto do “Cupido”. Cupido é a versão latina do deus grego Eros (do amor...). Refere-se a Eros Grau, aquele, como direi?, membro do Supremo que escreveu um romance cuja personagem principal é uma vagina flatulenta. Segundo a cantora de bolero, o autor fescenino lhe disse que vai rejeitar TODA A DENÚNCIA. E dá a entender que esse voto está ligado ao nome que vai substituir Sepúlveda Pertence, que se aposentou. Refere-se a alguém do STJ. O mais cotado para o cargo é Carlos Alberto Direito.

Tá bom até aqui? Tem mais. Os dois comentam também, enquanto corre o julgamento, a política interna no STF. Carmen diz que há ainda “três anos e meio” de domínio “do grupo” e demonstra desconforto com o “novo chefe”. Ela se refere a Marco Aurélio de Mello, novo chefe da primeira turma do Supremo, de que ela e seu colega de bate-papo fazem parte.

Várzea, vulgaridade
A conversa foi flagrada pelo Globo. Hoje, como represália, os ministros chegaram a pensar em tirar o sofá da sala, proibindo o acesso de fotógrafos ao local. Houveram por bem apenas confiná-los em local “seguro”, longe da tela dos computadores.

Qual é o sentido de haver uma Suprema Corte? É justamente para que cada cabeça seja uma sentença. É da natureza de um tribunal superior não combinar o voto e não prejulgar, tudo o que os dois ministros tagarelas — tagarelice por escrito — fizeram. Carmem Lúcia, não resta a menor dúvida, deixa claro que já não concordava com a peça acusatória do procurador. E há a sugestão óbvia de que o substituto de Sepúlveda Pertence é uma peça deste julgamento, “uma troca”, como resume Lewandowski.

Vejam o estado das instituições do Brasil. O Senado já havia descido antes tão baixo, correndo atrás de recibo de venda de vaca? Não! O Supremo já havia descido tão baixo, com dois ministros — e não só eles — se comportando como adolescentes brincando no MSN? Também não. Eles têm um dever funcional: ouvir respeitosamente a sustentação oral do procurador, a defesa dos advogados, para julgar com isenção. Nada disso:
- trocam comentários desairosos sobre colegas;
- antecipam votos;
- dedicam-se à guerrinha interna;
- chafurdam na mediocridade.
Carmem Lúcia chega a afirmar que Joaquim Barbosa, relator do caso (que, diga-se, lia notícias na Internet durante a sessão), “vai dar um salto social agora com esse julgamento”. Salto social??? Não sei por quê, fiquei com a impressão de que pode haver alguma alusão aí ao fato de ele ser negro e ter uma origem mais humilde do que a dos outros.

E agora? Agora nada! Degradamo-nos mais um pouco. O mínimo que esses dois deveriam fazer é pedir afastamento do caso, declarando-se impedidos de julgar. E a razão é simples:
- se votarem contra a admissão do processo, sabemos que isso já estava escrito nas estrelas — ou na estrela?
- se votarem a favor, pesará a suspeita de que mudaram o voto para provar a sua isenção.
Tanto uma coisa como outra inabilitam um juiz.

É isso aí. O PT chegou ao Supremo. O PT chegou à Anac. O PT chegou, como sabemos, à Presidência da República. O estado, como o partido confessa em vídeo, está sendo POSTO A SERVIÇO do que eles chamam de “uma classe”. A classe dos petistas.

Supremo no chão 2 – Delinqüência jurídica

Eros Grau, o autor fescenino, o da “vagina flatulenta”, mostrava-se bastante irritado hoje com os colegas. Taí um homem atento a seu ofício. Durante a sessão de ontem, num torpedo a Lewandowski, referiu-se à correta, necessária e legal intervenção da Polícia Militar, que desalojou da Faculdade de Direito da USP um bando de arruaceiros. A conversa é esta

Eros – Você viu a invasão da faculdade pela PM? Um horror. Nem na época da ditadura! Estou pasmo!!!
Lewandowski – Não, não vi nos jornais de hoje.
Eros – Uma coisa lastimável.
Lewandowski – De fato, um absurdo.
Eros – Vamos fazer alguma coisa; vou tentar apurar o que houve.

Eis aí. Um não sabia de nada, mas considera um “absurdo”. O outro ainda “vai apurar o que houve”, mas acha “lastimável” e diz que não se fez nada igual nem durante a ditadura. Eis os juízes que temos. Como fica claro, eles não precisam — alguns deles ao menos — de fatos para julgar.

A fala dos dois ministros é delinqüência jurídica. Quem invadiu a faculdade foram UNE, MST e Educafro, entre outros. Basta que se procure o sentido da palavra “invadir” no dicionário. A PM cumpriu a sua função à medida que o diretor da faculdade, cumprindo a dele, denunciou a violência. Dois ministros do Supremo estão dizendo que impedir o direito de terceiros de ir e vir é coisa aceitável; que errado é quem garante o estado de direito.

De novo: é a tomada do estado em curso. É o estado sendo posto a serviço de um partido.

O Supremo no chão 3 - Querem botar um homem do Zé na Corte

Vocês viram acima, não é?
Dois ministros deixam claro que o resultado do julgamento sobre a admissão do processo contra os mensaleiros está ligado à nomeação do substituto de Sepúlveda Pertence, que se aposentou.

O mais cotado no momento é Carlos Alberto Direito. Mas não está só. Há quem defenda com entusiasmo o nome de José Antônio Dias Toffoli, atual advogado-geral da União. Se não para esta vaga, para uma próxima. Será realmente um grande momento do Supremo. O estimado companheiro José Dirceu terá, então, um ministro só para ele.

Quem é Toffli? Foi subordinado do ministro sem pasta Dirceu quando ele estava na Casa Civil. Tão logo nomeado para a AGU, logo na primeira entrevista, disse nunca ter ouvido falar em mensalão. Ah, claro, este isento advogado geral da União foi assessor das campanhas eleitorais de Lula em 1998 e 2002 e advogado eleitoral do PT. Também foi advogado de Luiz Gushiken naquele caso das cartilhas, lembram-se? Aquelas que ninguém viu.

Em solenidade recente de despedida do ministro Sepulveda, Toffoli foi um dos oradores. Falou na qualidade de titular da Advocacia Geral da União — uma função de estado. Mesmo assim, referiu-se ao governo Lula como uma espécie de novo momento vivido pelo Brasil, como se fosse uma nova aurora.

Anotem: é forte a pressão para indicar o aliado do Zé para o STF. Se não for agora, quem sabe na próxima vaga que se abra.

Trata-se, em suma, como é mesmo?, de PÔR O ESTADO A SERVIÇO DE UMA CLASSE.

PT confessa em vídeo: quer o estado a seu serviço. E reafirma seus vínculos com o Foro de São Paulo



Muito cuidado nesta hora.

O PT realiza, entre os dias 31 deste mês e 2 de setembro, no Centro de Convenções Imigrantes, em São Paulo, o seu 3º Congresso Nacional. No Youtube, há um vídeo, dividido em partes, em que se apresenta o evento e se trata dos assuntos que serão debatidos. Na retórica ao menos, é inequívoco, há um visível retorno ao “socialismo”. Outro assunto que a grande imprensa faz questão de esconder, não sei por quê, é abordado pelo partido com orgulho: “O Foro de São Paulo”. Mais: o partido revela a sua inclinação gramsciana — e, pois, totalitária —, ainda que fale em “democracia”.

Vamos ver. Clicando na imagem acima (se não conseguir, clique aqui), você assiste à terceira parte do material de divulgação e convocação do Congresso. Ele trata especificamente da “construção do socialismo”. De qual socialismo? Isso o PT não diz há 27 anos. A apresentadora deixa claro que a formulação sobre a luta socialista definida no 5º Encontro Nacional, de 1987, continua a valer em 2007. E ela diz literalmente:

“Para extinguir o capitalismo e iniciar a construção do socialismo, é necessário realizar uma mudança política radical. Os trabalhadores precisam transformar-se em classe hegemônica e dominante no poder de estado. Não há qualquer exemplo histórico de uma classe que tenha transformado a sociedade sem colocar o poder político de estado a seu serviço”. E mais adiante: “Não basta chegar ao governo para mudar a sociedade. É preciso mudar a sociedade para chegar ao governo.”

Quem nunca ouviu falar do teórico italiano Antonio Gramsci ou nunca leu a sua obra não dará o devido peso ao que vai acima. Quem conhece as suas formulações viu a fuça do totalitarismo. Ora, quem representa “os trabalhadores” segundo o PT? Se o partido é investido de tal caráter, tudo o que fizer — e isso inclui seus crimes — está a serviço dessa construção histórica. Tanto é assim, que cumpre observar: mensaleiros e aloprados continuam no partido. Ninguém foi ou será punido.

A afirmação de que não há exemplo de classe que tenha mudado a história sem pôr o estado a seu serviço não passa de delinqüência intelectual submarxista. Mas é, de novo, uma confissão. Para eles, quem encarna o poder “dos trabalhadores”? O PT. E como se põe o estado a serviço dos trabalhadores? Ora, pondo-o a serviço do PT. Gramsci, que queria “o partido” como o Moderno Príncipe, dizia que ele deveria ser o “imperativo categórico” da sociedade e que tudo deveria existir e ser feito em função de suas necessidades. Até mesmo a crítica deveria ser autorizada por ele e tê-lo como referência. Em certos setores da imprensa, já experimentamos algo parecido. Só se aceita que petistas contestem petistas.

Num outro momento do vídeo, diz a mocinha: “Não há democracia sem socialismo, e não há socialismo sem democracia”. Trata-se de uma dupla impostura.
Peguemos a primeira oração:
“Não há democracia sem socialismo”
A verdade: nunca houve uma democracia socialista.
Peguemos a segunda:
“Não há socialismo sem democracia”
A verdade: nunca houve socialismo democrático
Da dupla impostura, resta uma verdade inequívoca demonstrada pela história: socialismo e democracia nunca foram vistos num mesmo corpo social.

Foro de São Paulo
E chegamos, finalmente, ao caso. Eu não sei por quê, mas presumo, a chamada grande imprensa faz questão de ignorar um fato que o partido assume com todas as letras: o PT é fundador do chamado Foro de São Paulo, um órgão que continua ativo e que reúne as esquerdas da América Latina, incluindo as narcoguerrilheiras Farc. No vídeo, trata-se do assunto aos 5min20s e aos 7min18s. Delírio do Olavo de Carvalho e do Reinaldo Azevedo? Não. Fato admitido de forma clara, explícita, orgulhosa. Tanto é assim que, ao se referir aos "democratas antiimperialistas" da América Latina, o filme exibe as imagens, entre outros, de Hugo Chávez, Evo Morales e, acreditem!, Fidel Castro. O alinhamento do partido — e do governo — com ditaduras está mais do que demonstrado.

Eu acredito que Lula implantará o socialismo, ainda que aquela pantomima bolivariana, no Brasil? Não. Eu não acredito. Não porque ele não queira, mas porque ele não pode. Mas acredito, sim, que o Brasil, entregue ao PT e às suas teses, será menos democrático. Porque a legenda não tem respeito, e isso fica evidenciado neste material de divulgação, pelo estado de direito. Quem diz que uma classe tem de pôr o estado a seu serviço quer é uma ditadura, ainda que mitigada e fantasiada de democracia popular.

Agora entendo por que José Dirceu acha tão absurdo ser julgado pelo STF. Ele só estava construindo a hegemonia da classe trabalhadora — ou seja: pondo o estado a seu serviço. E ainda há quem reclame...

PS: O PT está quase implorando à chamada grande imprensa que fale do Foro de São Paulo. Será que, desta vez, ela acorda? Não seria interessante rever a expropriação da Petrobras na Bolívia à luz de um concerto ideológico do Foro? Será que o PT não é ainda mais caro do que parece?



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