Suely Caldas
O presidente não se arrependeu, calou os irados do PT e hoje colhe os frutos. Afinal, a manutenção da política de FHC foi responsável pela retomada do crescimento econômico, e a estrutura inicial montada para o Bolsa-Escola permitiu ao Bolsa-Família chegar hoje a um em cada quatro brasileiros, segundo levantamento do Ministério do Desenvolvimento Social, divulgado na última terça-feira. É desses dois bem-sucedidos projetos de governo que Lula tira o alimento para sua elevada popularidade política. Eles foram os principais responsáveis por sua reeleição em 2006 e deles farão um cabo eleitoral de peso nas eleições de 2008. Por isso Lula tem todo interesse em preservá-los. E, depois de quatro anos e meio, o PT parou de reclamar e passou a usufruir das delícias de ser poder. Seguiu o conselho da ministra Marta Suplicy: "Relaxa e goza."
Se não se deixasse contagiar pelo discurso ideológico vazio e enganador contra as privatizações, favorável à centralização de poder e ao aparelhamento político-partidário do Estado, o governo Lula estaria hoje entregando aos brasileiros taxas mais robustas de crescimento e de geração de empregos ? à frente e não na lanterna dos países latino-americanos. Mas não. Lula e o PT demonizaram as privatizações com a única intenção de destruir os tucanos. Conseguiram, sim, destruir o investimento privado em infra-estrutura. Tentaram contrapor com as Parcerias Público-Privadas (PPPs) e até hoje não conseguiram fechar um único projeto. Com o tempo e depois da desastrada Operação Tapa-buracos, Lula acabou rendendo-se à realidade e autorizou a privatização de rodovias. Mas esbarrou na incompetência do Ministério dos Transportes. Esburacadas, as rodovias continuam causando acidentes. A terceira tentativa de fomentar projetos de infra-estrutura ? o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ? está devagar, quase parando. Não faz justiça ao nome.
Governar com a cartilha ideológica ? abastecida de ideários utópicos e vazia de projetos para o desenvolvimento do País ? não costuma dar bons resultados. No caso do PT é pior, porque o ideário não possui sequer o romantismo das utopias. Não passa de discurseira divorciada da realidade, que não consegue alcançar o progresso ocorrido no mundo. Tudo o que está fora da cartilha eles costumam chamar de neoliberal ? não no conceito da saudável divergência política, mas em tom de xingamento, linchamento ideológico.
Neoliberais eram a política macroeconômica de FHC e o programa Bolsa-Escola, que, por ter nascido de debates sobre pobreza incentivados pelo Banco Mundial, foi logo rejeitado pelo PT. A política macroeconômica, com juros monitorados e metas de inflação, foi duramente atacada pelo PT e o líder Lula ao longo do governo FHC. Para eles, o Plano Real foi "eleitoreiro" e ponto final ? demoraram para reconhecer seus méritos. Acreditavam que juros baixíssimos e tolerância com inflação mais elevada levariam o Brasil ao paraíso do crescimento ? fórmula aplicada, derrotada e fracassada ao longo da década perdida dos anos 80.
O Bolsa-Escola não passava de esmola, um programa assistencialista que desestimulava o pobre a emancipar-se. Quando o programa Fome Zero ? contraponto ao Bolsa-Escola ? naufragou, o então ministro petista José Grazziano propôs criar restaurantes com a marca Fome Zero, refeição a R$ 1 e explorados por mulheres pobres na garagem de suas casas. Desistiu depois de ser informado que pobre mora em favela, barraco apertado sem nenhum espaço de garagem.
Pois os dois malditos projetos neoliberais, herdados de FHC, foram acolhidos e ampliados por Lula. Nesses casos o pragmatismo e a realidade derrubaram a falsa e vazia ideologia. Ah, se fosse esse o caminho para todo o governo...
*Suely Caldas é jornalista. E-mail: sucaldas@terra.com.br