Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 25, 2007

A vida ao vivo na rede mundial

Intimidade, câmera, ação!

Transformar a própria vida em show ao
vivo na internet é a nova mania dos que
fazem tudo para virar celebridade


Silvia Rogar

Divulgação
Jody Gnant (acima), Justine (à esq. e à dir.) e Kan: pessoas comuns que se tornaram celebridades escancarando sua vida privada na internet

Lançado em 1998, o filme O Show de Truman contava a história de um jovem que, desde o nascimento, tem seus passos monitorados por câmeras, manipulados por um diretor e exibidos na televisão mundo afora – sem o seu conhecimento, claro. Quando descobre ser ele próprio um seriado ambulante, Truman Burbank, interpretado por Jim Carrey, faz de tudo para se libertar do foco das lentes. Na vida real, tem acontecido o oposto. A nova mania entre alguns internautas de carteirinha é revelar a intimidade ao vivo na rede. Depois dos blogs, dos fotologs, dos sites de relacionamento e do YouTube, o exibicionismo virtual entra na era do chamado lifecasting – em tradução livre do inglês, algo como transmissão da vida. Já é possível encontrar uma penca de desinibidos que andam para cima e para baixo com uma câmera permanentemente ligada. E vale de tudo para tornar sua programação mais atraente: conversar com estranhos na rua, fazer compras ou, o que é mais comum, simplesmente se exibir.

Ser o assunto principal de um show on-line e ao vivo não requer muito dinheiro ou equipamentos sofisticados. A produção é praticamente caseira: basta ter laptop, webcam (pequena câmera para internet), conexão de internet wireless (sem fio) e, para não interromper a transmissão, um bom arsenal de baterias para o computador. Do outro lado da tela, a graça de assistir a um programa do gênero é ultrapassar o voyeurismo. Os sites permitem que o público interaja com seus protagonistas, através de mensagens e bate-papos. O mais célebre entre os protagonistas desse tipo de "programa" é Justin Kan, americano de 23 anos, formado em física pela conceituada Universidade Yale. Faça chuva ou faça sol, ele passa seus dias com uma câmera acoplada ao boné e interligada a um laptop levíssimo, que carrega na mochila. Desde março passado, as imagens do seu cotidiano são transmitidas em tempo real na Justin.TV (www.justin.tv), site criado por Kan e outros três amigos, justamente com o objetivo de mostrar o "show da vida" do fundador e de outros exibicionistas.

A maioria dos que se candidatam a astros na rede gosta de estar na frente das câmeras. Kan é exceção. Passa a maior parte do tempo mostrando o mundo sob sua perspectiva. Não se deve imaginar nada muito filosófico. Como sua agenda social está bem longe de ter a agitação da rotina de uma Paris Hilton, Kan faz de tudo para ter momentos mais interessantes – e, claro, chamar atenção. Ele já se jogou de roupa numa piscina, fez aula de trapézio e está agora em busca de uma namorada. Encontrar alguém que se disponha a andar com um sujeito que carrega uma câmera no boné, 24 horas por dia, não é tarefa das mais fáceis. Mas Kan não desanima. "Enquanto me divertir, passarei meus dias assim. Só não levo a câmera quando entro em banheiros públicos. Também tiro o som para discutir estratégias de negócios em reuniões", disse a VEJA na semana passada – tudo devidamente gravado por ele, claro.

Sim, negócios. A nova obsessão dos aventureiros pontocom é criar o site campeão de transmissões ao vivo, uma espécie de YouTube da categoria. "A nossa idéia é permitir que todo internauta tenha seu canal de TV para se divertir", disse a VEJA John Ham, 29 anos, fundador do Ustream (www.ustream.tv), um dos principais sites dedicados ao filão. A idéia tem potencial, mas esbarra na dificuldade de que nem todo mundo é suficientemente interessante para virar atração. A designer Justine Ezarik é uma das poucas que ultrapassam com sobras essa barreira. Alçada a celebridade da internet, seu sucesso deve-se à combinação perfeita de dotes: loura, com estampa que lembra a da atriz Cameron Diaz, ela domina o mundo virtual com a habilidade de um nerd. Para encontrar gente interessante capaz de preencher sua programação, o Ustream realizou um concurso em que elegeu dez pessoas para estrelar programas ao vivo e ofereceu um cachê aos ganhadores. Uma das escolhidas foi Jody Gnant, aspirante a cantora que diz ter mais medo da obscuridade que da falta de privacidade. Assim como usuários de fotologs e sites de relacionamento, ela vê a experiência como mais uma forma de aumentar o círculo de amizades. "No início, queria apenas promover o meu CD, mas me viciei nos bate-papos com o público", conta.

Não é de hoje que a curiosidade sobre a vida alheia mostra seu potencial de virar febre na internet. Em 1996, a estudante americana Jennifer Ringley passou a transmitir continuamente imagens de seu dormitório universitário. Dois anos depois, 3 milhões de pessoas checavam a intimidade da moça em seu site. Eram imagens estáticas e em preto-e-branco com tudo o que se deveria fazer entre quatro paredes, incluindo sexo e trocas de roupa. Tudo foi documentado até 2003, quando ela cansou da falta de privacidade e se desconectou. Esse, aliás, um recurso indispensável. Na hora de ir ao banheiro, Justin Kan mira a câmera para o teto.

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