Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 26, 2007

Entrevista do economista José Roberto Mendonça de Barros

"O efeito maior da crise será sentido só em 2008"

Para o economista, a contração do crédito já começou e deve provocar uma menor aceleração da demanda interna

Márcia De Chiara


O principal impacto da crise financeira internacional na economia real brasileira será um corte na aceleração do consumo doméstico. A avaliação é do economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados, para quem a crise não terminou. "Haverá uma perda de ritmo de crescimento da demanda, mas o nível ainda será muito bom." Segundo ele, a perda de ritmo vai ocorrer por meio da contração do crédito, que começou discretamente, com a elevação dos juros nos financiamentos com prazos mais longos.

linkVeja a íntegra da entrevista e o especial sobre a crise

Mesmo com a contração do crédito, ele acredita que o fim do ano não será prejudicado. Diz, no entanto, que a composição da demanda para o Natal mudou, com maior parcela de bens de menor valor que dependem menos dos financiamentos de longo prazo. O maior impacto será sentido em 2008. A seguir, os principais trechos da entrevista que ele concedeu ao Estado.

Qual é o impacto da crise nos mercados internacionais?

O que sabemos hoje são três coisas. Primeiro, temos uma crise financeira de grandes proporções, tanto é que houve intervenção dos bancos centrais. Em segundo lugar, a crise financeira não terminou ainda porque há muito prejuízo embutido nas carteiras. Por último, provavelmente o banco central americano, o Fed, vai antecipar a baixa de juros. Uns acham que será na reunião de outubro, outros na reunião de setembro. E uma parte do mercado acha que é agora. Eu não acredito nessa última hipótese. É possível que haja baixa de juros antes do fim do ano. De outro lado, vemos que, do lado real, a economia americana, todo o conglomerado em torno da construção civil está em franca recessão. Nesse conglomerado estão desde os bancos financiadores, responsáveis pela hipotecas, até lojas que vendem móveis e material de decoração. Não é por acaso que a Home Depot, que é a maior dessas redes, avisou que suas vendas serão muito mais fracas do que o esperado. A mesma coisa fez o Wal-Mart. Já existe algum custo no lado real da economia americana que vai afetar mais o ano que vem do que este ano. Há um relatório de um banco americano reduzindo em 1 ponto porcentual a taxa de crescimento dos EUA.

A crise pode se espalhar para outros setores?

Pode, por dois caminhos. Um caminho é pelo consumidor. Se o consumidor se retrair ainda mais, pode ocorrer queda de vendas de outros setores. Há também o caminho da oferta. Toda crise financeira traz por um período uma contração de crédito. Quando se tem uma contração de crédito mais ou menos geral, que é o que está ocorrendo, empresas que não têm nada a ver com o problema original podem ser prejudicadas. Tendo menos crédito, pode-se postergar decisões de investimento. Aí a economia seria afetada do lado real por um outro caminho: o investimento fica menor, além do consumo.

E o impacto em outras regiões?

Um impacto menor vai existir na Europa. Os bancos alemães foram muito machucados.A mesma coisa aconteceu com outras regiões da Europa. Certamente não será tão grande quanto o impacto nos EUA. A grande dúvida é sobre a Ásia. A minha impressão é de que, se a crise ficar do tamanho que está hoje, a Ásia será pouco afetada. Isso é importante para o Brasil porque os preços de commodities vão ficar razoáveis, com reflexos nas exportações.

Quais os impactos para o Brasil?

No Brasil tem coisas que já estão acontecendo. A mais importante é o fato de que os juros prefixados, tanto dos papéis do Tesouro como as operações na BM&F, já subiram. Os juros de três, quatro anos, que estavam numa faixa de 10% ao ano, ultrapassaram os 12,2% ao ano, subiram quase 2,5 pontos porcentuais. E isso está produzindo efeitos porque o crédito para a compra de automóveis, por exemplo, é baseado nesses juros mais longos. Para que bancos ou financeiras possam financiar um carro em cinco anos, eles têm de fazer captações por prazos mais longos. Quando o custo do dinheiro sobe, isso acaba aparecendo rapidamente nas tabelas. Os financiamentos de carros são afetados não só nos juros, mas o maior impacto é o encurtamento de prazos. Nesse setor estamos tendo uma marcha à ré.

Vai ocorrer contração do crédito?

Sim.

Essa mudança vai acontecer ainda este ano?

Já está ocorrendo. As tabelas dos financiamentos foram mudadas na semana passada em praticamente todas as instituições financeiras. Até ter efeito pleno leva tempo. As condições gerais dos financiamentos vão ficar mais difíceis porque a percepção de risco mudou.

A expectativa de que o crédito cresceria entre 20% e 25% está superada?

Sim. O efeito maior da crise será sentido em 2008.

A previsão de crescimento do PIB para 2007 está mantida?

Sim. Teremos um bom crescimento, de 4,9%.

A mudança de ritmo afeta o Natal?

Vai afetar a composição da demanda para o fim de ano. Se as condições de crédito pioram, os produtos de maior valor que dependem de financiamentos novos serão mais prejudicados. Itens que dependem do rendimento corrente, não.

Arquivo do blog