Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 22, 2007

Miriam Leitão Tudo, menos nada

Pode acontecer tudo no Supremo Tribunal Federal a partir de hoje, quando a Corte vai decidir se abre ou não processo criminal contra os envolvidos no mensalão. Mas não pode acontecer nada. São muitos os indícios, provas, testemunhos e confissões de que dinheiro ilegal foi usado na campanha do presidente Lula e de que atos criminosos foram executados por políticos da base e integrantes do governo.

Já se sabe que houve dinheiro de origem desconhecida, não declarado, no PT, na base governamental e no pagamento de contas de campanha no primeiro mandato do presidente Lula. Já se sabe que o então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, confessou ter administrado um caixa dois para cobrir gastos de campanha que também não foram comprovados. Já se sabe que parte do dinheiro veio do publicitário Marcos Valério, que, depois da eleição, ganhou contratos de prestação de serviços com órgãos do governo e estatais; entre eles, Correios e Banco do Brasil.

O publicitário da primeira campanha, Duda Mendonça, confessou espontaneamente que recebeu de Marcos Valério R$ 10 milhões do que lhe era devido por ter feito a campanha presidencial de 2002. Recebeu parte em dinheiro vivo, e parte no exterior, em remessas ilegais.

Também já se sabe que quantias variadas de dinheiro foram sacadas na boca do caixa do Banco Rural, por deputados da base, de contas alimentadas por dinheiro das empresas de Marcos Valério. Em algumas ocasiões, segundo admitiu a diretora financeira das empresas de Valério, o pagamento aos políticos era feito em quartos de hotéis. Nenhum tostão desses milhões foi declarado por nenhum dos beneficiados. Segundo a mulher de Marcos Valério, Renilda, sócia dele nas empresas publicitárias, o então ministro-chefe da Casa Civil de tudo sabia.

Já se sabe que os deputados que recebiam dinheiro desta forma suspeita eram de PT, PTB, PL (hoje PR), PP e PMDB. Dois desses partidos, PTB e PL, foram os que mais receberam deputados que vieram da oposição. Na atual legislatura, o mesmo padrão de comportamento se repete: o PR, ex-PL, foi o que mais inchou com as adesões oportunistas para ampliar a base do segundo governo Lula.

Foi da base que saiu a denúncia. O ex-deputado Roberto Jefferson acusou o governo de pagar propina em bases mensais, o mensalão, para os deputados da base parlamentar, garantiu que disso informou o presidente da República, e afirmou que ele mesmo, Jefferson, recebera R$ 4 milhões do caixa dois. O então deputado acusou o chefe da Casa Civil, José Dirceu, de comandar o esquema.

Tudo o que foi dito de convincente em defesa do governo é que o termo “mensalão” era impróprio, porque não era pago em bases mensais, mas há várias comprovações de que recursos foram distribuídos de maneira farta, em valores diferenciados, para muitos deputados.

Juntos, Marcos Valério e Delúbio Soares deram entrevistas admitindo dinheiro “não contabilizado de campanha” irrigando esse repasses para os deputados. Depois disseram que a origem do dinheiro eram empréstimos tomados junto ao BMG.

Até hoje, os tais empréstimos não foram pagos, confirmando a suspeita do vice-presidente da República, José Alencar, que disse não acreditar na existência daqueles empréstimos baseado no que sabia em seus 50 anos de vida empresarial. Todos os indícios são de que se tratava de empréstimos de fachada.

O secretário executivo do PT Silvio Pereira, mesmo não sendo funcionário do governo, fazia reuniões no Palácio do Planalto para distribuição de cargos públicos. Ele foi apanhado também por ter recebido um presente indevido, um Land Rover, de um fornecedor da Petrobras. O presente só foi devolvido depois da denúncia na imprensa.

Em entrevista ao GLOBO um ano depois de estourar o caso, Silvinho contou fatos estarrecedores que ajudam a esclarecer o que ficou escondido.

Disse coisas como: “o plano era faturar R$ 1 bilhão.” Uma das formas era tentar suspender a intervenção no Banco Mercantil de Pernambuco e Banco Econômico, mas o Banco Central não aceitou. Quando estourou o escândalo, Silvinho contou que teve um encontro com Delúbio e Marcos Valério, no qual Valério disse que tinha três saídas: “ou entregar tudo e derrubar a República, ficar quieto e acabar como o PC Farias ou o meio-termo”. Outra informação: “O Delúbio começou a usar o Marcos Valério para pagar contas e depois perdeu o controle.” Disse também que a origem do dinheiro era “um pool de empresas interessadas em ganhar contrato com o governo”.

Tudo isso entre outras inúmeras afirmações, todas espantosas.

Já se sabe que José Genoino, presidente do partido quando tudo isso aconteceu, assinou os tais empréstimos.

Um assessor do deputado José Nobre Guimarães, seu irmão, foi apanhado com dólares na cueca, no mais constrangedor episódio de todo esse escândalo.

Enfim, muito se soube através das entrevistas, principalmente as do deputado Roberto Jefferson, e dos longos depoimentos nas CPIs. Houve testemunhos convincentes, fatos inegáveis, confissões no maior escândalo político da História deste país.

Nos próximos dias, tudo isso será repassado pelo Supremo para decidir então se aceita a denúncia pedida pelo Ministério Público contra o que o procurador-geral da República chamou de “organização criminosa”.

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