Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 28, 2007

Merval Pereira - Sem anistia




O Globo
28/8/2007

Não há mais condições políticas para que o ex- chefe do Gabinete Civil e atual "consultor" de empresas José Dirceu tente reverter a cassação de seu mandato através de um movimento de anistia. O julgamento político de seus pares no plenário da Câmara já o havia indicado como o responsável pelo mensalão, um esquema de corrupção política de amplitude nunca antes vista na história da corrupta política brasileira. Agora, com a decisão unânime dos juízes do Supremo Tribunal Federal, José Dirceu está indiciado criminalmente por corrupção ativa.

Mesmo que não tenha sido declarado oficialmente como o "chefe da quadrilha", como o identificou em sua denúncia o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, todos os juízes do Supremo entenderam que o esquema de corrupção de políticos de PP, PL, PTB e PMDB não poderia ter sido montado e executado sem o aval e a orientação do então chefe do Gabinete Civil da Presidência da República.

Não há mais condições políticas também para que o presidente Lula mantenha a posição de que não houve o mensalão. A aceitação das denúncias contra todos parlamentares que receberam a dinheirama esparramada através do esquema engendrado pelo publicitário e lobista Marcos Valério coloca por terra a tese, lançada pelo próprio presidente Lula, de que o que houve foi a distribuição de dinheiro pelo caixa dois do PT.

Todos os que responderão criminalmente por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e mais os membros do governo acusados de peculato, como os ex-ministros Anderson Adauto e Luiz Gushiken, estão formalmente acusados pelo Supremo de terem participado de um esquema criminoso de distribuição de dinheiro público e privado para compra de apoio político ao primeiro governo Lula, e não se trata de crime eleitoral, de "recursos não contabilizados", como tentaram fazer crer à opinião pública nos últimos anos.

A aceitação pelo Supremo das denúncias do procurador-geral permitirá que seja aberto processo criminal contra todos os denunciados, o que deve demorar alguns anos mais, o suficiente para que nenhum deles seja condenado ou absolvido antes do final do segundo mandato de Lula.

Mas, assim como o governo Collor está marcado para a história como um governo corrupto, mesmo que sua culpa não tenha sido comprovada formalmente no julgamento do processo criminal do Supremo, assim também o governo Lula está definitivamente marcado pelo maior escândalo de corrupção já detectado nos últimos tempos na política brasileira.

O presidente Lula até hoje luta na tentativa de, livrando seus companheiros de política, livrar-se também da pecha de ter comandado um governo onde a compra de apoio político com dinheiro oriundo do saque do erário público foi organizado e monitorado de dentro do Palácio do Planalto, sem que ele se desse conta do que estava acontecendo, logo ele, o principal beneficiário político do esquema montado por seu homem-forte na ocasião.

Insiste Lula na tese de que não houve o mensalão - tese agora definitivamente sepultada pela mais alta corte jurídica do país - e, quando os fatos falam mais alto, alega que somente ao final do processo criminal se poderá ter uma idéia correta de quem é culpado, e por qual crime. E ainda levanta dúvida se, ao final, haverá crime a ser punido.

Revela o presidente Lula uma paciência que não tinha quando comandava a oposição e condenava a priori todos os seus adversários, entre eles o hoje aliado ex-presidente Collor, que foi julgado politicamente pelo Congresso e cassado com o PT comandando as ações contra ele. Houvesse o ex-ministro José Dirceu sido isentado do crime de corrupção ativa, já estaria em marcha a campanha por sua anistia, transformando em ação política a decisão do Supremo.

Como a denúncia contra ele foi aceita nos termos em que o procurador-geral da República propôs, isto é, que ele era na verdade o principal responsável pelo esquema criminoso que foi montado dentro do governo, interessa agora a ele e aos demais acusados transformar a decisão do Supremo em mais uma etapa burocrática de um longo processo.

Mas, como estamos tratando aqui de política antes de tudo, a decisão do Supremo, mesmo que não signifique uma decisão final sobre a culpabilidade de nenhum dos denunciados, significa que há indícios mais do que suficientes para uma investigação criminal, o que afasta a hipótese de que houve uma conspiração da imprensa contra o PT, ou que as acusações levantadas são fruto da imaginação fértil dos inimigos políticos do governo.

As repercussões políticas das decisões do Supremo deveriam reverberar fortemente no Congresso, ainda mais agora que mais um forte aliado do Palácio do Planalto, o ainda presidente do Senado Renan Calheiros, está envolvido num processo de quebra de decoro parlamentar que tem tudo a ver com o clima permissivo que tomou conta da política brasileira nos últimos tempos, na suposição de que ter a maioria significa que tudo é permitido.

Mas será preciso aguardar a capacidade de ação da oposição e, sobretudo, a capacidade de reação dos petistas, que realizarão seu congresso nacional nesta semana sob o impacto da decisão do Supremo. A tendência majoritária do partido continua sob o comando de José Dirceu, e a impunidade interna e a proteção mútua são a marca predominante desse grupo que domina o PT. Mesmo porque a disputa de grupos é mais pelo poder interno, com vistas às eleições presidenciais, do que propriamente por uma mudança de atitude política profunda.

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