No Mercosul, quase tudo o que diz respeito às negociações comerciais externas está praticamente paralisado. A agenda externa do Bloco hoje se restringe a negociações com Israel e países árabes do Golfo. Desde 2004, o acordo com a União Européia está parado, sem muita perspectiva de avanço efetivo.
A prioridade atribuída às negociações multilaterais da Rodada de Doha explica, em parte, a parcial paralisia dos entendimentos mantidos pelo Mercosul. O reduzido número de acordos comerciais em negociação é resultado igualmente dos interesses conflitantes e da dificuldade de entendimento entre os quatro países membros. Caso a Venezuela se torne membro pleno, a complexidade do processo decisório aumentará, tornando ainda mais difícil o consenso para avançar conversações com outros países fora de nossa região, especialmente os de economia maior e mais dinâmica.
Os países menores do Mercosul (Paraguai e Uruguai), em razão das frustrações relacionadas com os reduzidos ganhos do processo de integração e com as poucas perspectivas comerciais, apesar do crescimento das trocas internacionais, estão pressionando Brasil e Argentina para que seja permitida a flexibilização de alguns compromissos e instrumentos vigentes do Mercosul.
Em documentos oficiais, o Uruguai afirma, entre outros pontos, que “não é realista esperar que, no curto ou médio prazo, possam acontecer avanços efetivos no Mercosul, assim como mudanças radicais nos processos de negociação com terceiros países e em seus resultados. A flexibilidade para a negociação com terceiros países (em processos próprios e do Mercosul) é a válvula de escape que permitiria aos sócios menores reduzir os custos da paralisia e a reversão resultante do descumprimento de muitos compromissos”.
A aplicação flexível pedida pelo Uruguai nas negociações comerciais com países não membros objetiva modificar a Resolução 32, de 2000, que proíbe a negociação dos membros do Mercosul de acordos que incluam preferências tarifarias com terceiros países ou agrupamento de países fora de nossa região.
A flexibilização que permite a negociação de acordos comerciais, por todos os países membros, de forma individual, pode ser feita por consenso no âmbito do Conselho do Mercosul, sem necessidade de modificar o Tratado de Assunção. Uma fórmula desse tipo, atenderia aos países menores e seria uma solução mais aceitável. Contornaria, assim, a crescente pressão por parte do setor privado para que o Mercosul volte a ser uma área de livre comércio com a suspensao da TEC, o que resultaria na necessidade de modificar o Tratado de Assunção, com todos os custos políticos que isso acarretaria.
Acordos comerciais não preferenciais são aqueles que não implicam em uma exceção ao tratamento de nação mais favorecida, seja de tarifas, seja de serviços, como os acordos de comércio e investimento (TIFA), a exemplo do assinado pelo Uruguai com os EUA.
O Brasil resistiu à pressão uruguaia e paraguaia e abortou qualquer flexibilização da Resolução 32, com o argumento de que somente poderia haver concordância para a negociação individual, caso o núcleo duro do Mercosul, isto é, a TEC, não fosse afetada. Na última reunião do Conselho do Mercosul (28/30 junho), o Presidente do Paraguai, no exercício da coordenação do Bloco, voltou a insistir na necessidade de flexibilizar a Resolução 32.
Felix Peña, que, pelo lado da Argentina, compartilhou comigo a responsabilidade da coordenação nacional do Mercosul, observou que, caso aprovada a flexibilização, as negociações comerciais extra-zona poderiam evoluir, prevendo-se a inclusão de cláusulas de vasos comunicantes e de convergência dentro de um prazo determinado com os demais países do Mercosul. Implicaria, no âmbito do Mercosul, a flexibilização formal do instrumento da União Aduaneira, especialmente no que se refere à TEC. Essa flexibilização deveria efetuar-se dentro dos limites – amplos – do artigo XXIV parágrafo 8 do GATT, o que permitiria abordar outras questões pendentes que ameaçam o processo negociador do Mercosul, tal como colocadas pelo Paraguai e Uruguai.
O Governo brasileiro dá indicações de que, pós-Doha, pretende ampliar a rede de acordos bilaterais em negociação pelo Mercosul.
Caso persista a atual regra de negociação conjunta dos países membros, é possível prever - pela impossibilidade de conciliar interesses ofensivos do Brasil para concluir acordos bilaterais com as posições defensivas de nossos parceiros - que dificilmente o Brasil conseguirá avançar seus interesses comerciais com a abertura de entendimentos na Ásia e em outros mercados dinâmicos.
Fatos novos justificam o reexame de compromissos anteriores.
O fracasso da Rodada de Doha torna imperativa a modificação da estratégia brasileira no tocante às negociações comerciais externas com vistas a avançar com os Acordos bilaterais.
A preservação do Mercosul como um instrumento relevante no contexto da política comercial externa do Brasil passa por ajustes que considerem as realidades do momento, como tem sido feito ao longo dos últimos 15 anos.
A proposta uruguaia e sua aplicação para todos os países do Mercosul deveria ser reexaminada já na próxima reunião do Conselho, em dezembro, e o Brasil deveria passar a apoiá-la, flexibilizando a Resolução 32.
A negociação de acordos bilaterais é suficientemente importante para justificar uma abertura do Governo com vistas a discutir essa questão com o setor privado, sobretudo agora, diante da perspectiva da desaceleração das economias desenvolvidas e do crescimento do comércio mundial, em conseqüência da crise de crédito que vem dos EUA.
É o que aconselha a defesa pragmática do interesse nacional.
Rubens Barbosa, consultor de negócios, ex-Embaixador em Londres e em Washington e Presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp