Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 22, 2007

AUGUSTO NUNES O caso das balas de doce calibre

Um pacote de balas Paulistinha, muito consumidas nas matinês de antigamente, por pouco não melou, em 9 de maio de 1980, o noivado de Luiz Inácio Lula da Silva com o estrelato político. Preso no Dops de São Paulo desde 19 de abril, junto com outros líderes da greve deflagrada no fim de março pelos metalúrgicos do ABC, Lula escondera sob o travesseiro o pacote entregue furtivamente, no meio da tarde, por um visitante amigo. Planejava atacá-lo na madrugada, depois que os parceiros de cela dormissem.

A investida foi neutralizada a tempo pelo companheiro Djalma Bom. Caso se empanturrasse com os pequenos retângulos azedinhos, coloridos e quebradiços, o presidente do sindicato de São Bernardo teria ido muito além do pecado da gula. Com as balas de doce calibre, Lula também teria assassinado a greve de fome decretada horas antes pelos prisioneiros.

"Quando a gente decidiu parar de comer, não resisti à tentação de enganar a fome com alguma coisa ligeira e providenciei o pacote", contou-me Lula, em junho de 1997, durante o depoimento de duas horas para o documentário 50 anos de Brasil - A história de todos nós, gravado num dos salões do Museu do Ipiranga. Estava feliz. E pareceu divertir-se especialmente com as lembranças da temporada na cadeia.

Algumas deixaram bem no retrato o agora senador Romeu Tuma, chefe do Dops em 1980. "Ele foi um excelente carcereiro", sorriu Lula. "Como minha mãe estava muito doente, permitiu que eu visitasse a velha todas as noites. Um policial me acompanhava como se fosse algum amigo. Ela morreu sem saber que o filho estava na cadeia".

Por essas e outras gentilezas, Tuma sentiu-se injuriado ao saber do jejum. "Ele estava muito bravo quando apareceu para conversar sobre a greve de fome", recordou Lula. "Chegou dizendo que até suco de laranja a gente bebia diariamente e avisou que os privilégios iriam acabar".

A supressão das regalias, avisou o xerife, começaria pelo fim da distribuição de jornais e pelo confisco dos aparelhos de rádio. O primeiro castigo não se consumou inteiramente: encerrado o desabafo, Tuma se foi sem levar o rádio que tivera o som reduzido para que a platéia pudesse ouvir direito o que dizia o delegado. Em 20 de maio, os presos saberiam por esse aparelho que seriam libertados no mesmo dia.

A segunda restrição durou 48 horas, ao fim das quais Tuma autorizou Lula a ler jornais. Mas no seu gabinete, condicionou, e sozinho. A exigência foi abrandada na manhã seguinte, quando o chefe dos presos entrou na sala do chefe dos carcereiros escoltado por dois companheiros. Com a própria sala reduzida a salão de leitura, Tuma achou melhor revogar as ameaças. Os grevistas acharam melhor revogar o jejum.

Ainda que dure pouco, ainda que os policiais se portem como lordes, a perda do direito de ir e vir nada tem de agradável. Nenhum estágio na cadeia merece brindes. Tampouco merecem uma pensão vitalícia os 31 dias de Lula no Dops. Mas o apreciador de balas Paulistinha, promovido a perseguido político, juntou-se aos 15 mil beneficiários do que o jornalista Elio Gaspari batizou de Bolsa-Ditadura. Por ter descansado um mês na prisão-hotel de Tuma, o presidente embolsa por mês o equivalente a U$ 2.200.

Mas anda bravo com os U$ 2 mil pagos, por tempo determinado, a mil bolsistas que fazem cursos de doutorado no exterior. Se não perdeu a memória, Lula perdeu a vergonha.

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