O massacre de nove gorilas no Congo
expõe os riscos de extinção da espécie
Denise Dweck
Brent Stirton/Getty Images |
Gorila morto é carregado no Parque de Virunga: a estrada por onde passa a madeira abre caminho para os caçadores |
O Parque Nacional de Virunga, na República Democrática do Congo, é o principal santuário dos gorilas-das-montanhas na África. Lá vive metade dos 700 animais da espécie que restam no mundo. Assim como os gorilas das planícies, mais numerosos, eles vêm sendo eliminados sistematicamente por caçadores e pela destruição de seu habitat. Os gorilas são hoje uma das 7 700 espécies de animais do planeta ameaçadas de extinção. Por esse motivo, e também pelos laços ancestrais que nos ligam aos grandes primatas, nossos parentes mais próximos na árvore da evolução, causou choque e revolta a execução sumária de nove gorilas do Parque de Virunga nos últimos sete meses. Os animais não foram mortos por caçadores profissionais, já que os corpos foram abandonados na selva, alguns deles parcialmente queimados. Além disso, foram encontrados junto a eles, vivos, dois gorilas bebês, que valeriam 10.000 dólares no mercado negro de animais selvagens. Os guardas do parque logo elucidaram a charada: os matadores foram capangas dos madeireiros e carvoeiros da região, impedidos de entrar na reserva para derrubar árvores e afeitos a barbáries desse tipo como forma de retaliação e intimidação.
"O primeiro passo para proteger os gorilas-das-montanhas do Congo é colocar mais guardas nas reservas e demitir os guardas corruptos, aliciados pelos exploradores em troca de propina", disse a VEJA o paleontólogo queniano Richard Leakey, presidente do programa africano de conservação ambiental Wildlife Direct. A matança dos gorilas de Virunga não é um episódio isolado. Nos últimos dez anos, a eliminação de animais selvagens na África e na Ásia, por ação do homem, conheceu uma escalada sem precedentes na história recente. Em grande parte, ela se deve a um ciclo perverso que começa com a multiplicação de madeireiras, mineradoras e carvoarias instaladas nas florestas. A atividade extrativista reduz o habitat de muitas espécies – e essa não é a única ameaça que ela representa. O primeiro passo das empresas, ao ganharem concessões para explorar os negócios de mineração e madeira, é rasgar estradas para escoar sua produção. As estradas servem também para que os caçadores penetrem cada vez mais fundo na selva em busca de suas presas. "Praticamente todas as florestas tropicais da África e da Ásia são hoje cortadas por estradas", aponta a bióloga Elizabeth Bennett, da Wildlife Conservation Society.
Reuters |
Feira no Togo: pedaços de animais ameaçados de extinção à venda |
Os caçadores se multiplicam e se tornam mais ousados porque a caça de animais selvagens nunca foi um negócio tão lucrativo. A demanda por pele, dentes, presas e até pela carne dos animais da floresta é cada vez maior. Na Inglaterra, no ano passado, funcionários da alfândega apreenderam
163 000 produtos e objetos feitos com partes de animais selvagens, muitos deles ameaçados de extinção. O maior volume de apreensões foi de remédios da medicina oriental. O uso de tecidos, órgãos e glândulas de animais na medicina, a opoterapia, é um costume arraigado na cultura da China há muito tempo. Os chineses atribuem aos ossos do tigre poderes antiinflamatórios e aos testículos, propriedades afrodisíacas. Um tigre morto e dividido em pedaços pode render até 50 000 dólares. Os animais selvagens também vão parar na mesa das populações pobres da África. Para muita gente, sua carne constitui a única forma de adicionar proteínas à dieta.
A experiência mostra que as ações de proteção aos animais e os parques de preservação são eficazes para evitar a extinção das espécies. As baleias jubarte, que costumam aparecer na costa brasileira, quase foram extintas nos anos 60. A pesca fez sua população cair de 200 000 para 15 000 animais. Com a ação de grupos de proteção, hoje já existem 35 000 baleias jubarte nos oceanos. No sul da África, a população de rinocerontes-brancos, que há um século era de apenas cinqüenta, está em 11 000, graças à criação de parques nacionais e ao remanejamento de animais. A preservação de espécies não é tarefa fácil. Cada uma exige um projeto especial, dependendo de suas características e das ameaças sofridas. Em vários países africanos, especialmente no Quênia, a opção para evitar a extinção de animais foi investir no turismo, transformando os safáris de caça em safáris fotográficos. Assim, as populações locais e estrangeiras se conscientizam da necessidade de manter os animais vivos. O mesmo foi feito no Parque Nacional de Virunga, onde os turistas pagam 500 dólares para passar uma hora ao lado dos gorilas e fotografá-los. Mesmo assim, os animais do parque congolês continuam a sofrer as investidas dos caçadores e, como se viu após o massacre de nove gorilas, dos capangas dos donos de madeireiras.
FAMÍLIAS QUE ENCOLHERAM Há hoje 7700 espécies de animais ameaçadas de extinção, entre elas
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Com reportagem de Leoleli Camargo