Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 25, 2007

Atentado à liberdade de imprensa

O ataque da corrupção

Renan usa asseclas para urdir CPI contra a Abril numa vingança pelo fato de VEJA ter revelado suas falcatruas

Ed Ferreira/AE
Jader Barbalho, que dispensa apresentações: a vendeta de Renan também é a sua vendeta e a de muitos outros políticos denunciados por VEJA

O senador Renan Calheiros é um político desesperado que faz coisas desesperadas. Acuado pelas revelações de VEJA sobre suas condutas impróprias, que devem tirá-lo da presidência do Senado, partiu para a vendeta ao melhor estilo mafioso. Renan e seus sequazes patrocinam a abertura de uma CPI na Câmara dos Deputados para "investigar" a associação entre a TVA, empresa de televisão por assinatura do Grupo Abril, que edita VEJA, e o Grupo Telefônica, de origem espanhola. A alegação é absurda. O negócio, aprovado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) depois de minuciosa análise, não fere a lei e é igual a outros fechados recentemente no país (veja o quadro). Para tentar forçar a abertura da CPI, Renan arregimentou uma tropa de choque especializada em surrar a ética. Abrilhantam-na Jader Barbalho e Orestes Quércia, que dispensam apresentações, os mensaleiros José Genoíno, João Paulo Cunha, Paulo Rocha e Valdemar Costa Neto e os sanguessugas Wellington Fagundes e Wellington Roberto. Todos eles denunciados por VEJA em algum momento de suas tristes biografias.

Ao todo, Renan e sua turma recolheram 181 assinaturas. Entre os deputados que firmaram o requerimento, além dos mal-intencionados, há ingênuos e enganados. Cinqüenta e nove parlamentares do PT apuseram seu jamegão. Boa parte desses petistas obedeceu às ordens de José Dirceu. Além da vingança contra VEJA, que noticiou os seus malfeitos como chefe da quadrilha do mensalão, o ex-ministro Dirceu tem interesses bem mais sólidos para embaraçar a associação entre a Abril e a Telefônica. Seu patrocinador atual é o bilionário mexicano Carlos Slim, o homem mais rico do mundo, que trava uma guerra comercial com o grupo espanhol.

As reportagens de VEJA, iniciadas em maio deste ano: uma a uma, as revelações foram se comprovando. Agora, Renan pode cair

A tentativa de criação da CPI da TVA, além de espúria na origem, tem a clara intenção de intimidar não apenas a Abril mas toda a imprensa independente do país. Ela tem as cores da vendeta, as formas da chantagem e, se seguir adiante, será um desperdício de tempo e dinheiro públicos, ademais de aprofundar o fosso que separa a sociedade brasileira de seus políticos no distante planeta Brasília. O plano de Renan e asseclas começou a ser articulado há um mês no gabinete do senador. A intenção explícita – dita entre meias-palavras – era retaliar VEJA, pelo fato de a revista ter publicado as reportagens que resultaram nas investigações contra o senador. Participaram da primeira reunião, além de Calheiros, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado, o senador Valdir Raupp (RO), líder do PMDB, e o deputado Jader Barbalho, do PMDB do Pará. Inicialmente, Renan pensava em defender a abertura da CPI no Senado. Foi desaconselhado por Jader. Ele considerou que não haveria apoio suficiente, pois a iniciativa configuraria claramente a tentativa de vingança de Renan. Tentou-se uma chicana e Jader encarregou-se de fazer o serviço sujo na Câmara.

Jader desviou as atenções – sim, dessa vez foram só as atenções – ao entregar um requerimento para que o líder do PT, Luiz Sérgio (RJ), coletasse assinaturas. Enquanto os opositores da CPI pressionavam Luiz Sérgio a desistir, Jader encarregou o deputado Wladimir Costa (PMDB-PA), que lhe presta fidelidade canina, a dar início à circulação de outro requerimento, então completamente clandestino. Antes de entrar na política, Costa ganhava a vida como apresentador de programas populares de rádio e cantor de carimbó, ritmo popular paraense.

O governo, desde o começo, se opôs à CPI. José Múcio Monteiro (PTB-PE), líder do governo, alertava para o fato de que a investigação poderia se voltar contra a Anatel, prejudicando o ambiente de negócios do país. Sensibilizado pelo argumento, o líder do PMDB, Henrique Alves (RN), mandou uma carta a todos os parlamentares da sigla aconselhando-os a não assinar o requerimento nas mãos de Luiz Sérgio. Deputados do PT, como Walter Pinheiro (BA), passaram a trabalhar para retirar assinaturas que já haviam sido dadas.

Celso Junior/AE
O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP): caberá a ele decidir se a CPI maquinada por Renan será instalada

Enquanto isso, Wladimir Costa perpetrava o seu trabalho silencioso com o segundo requerimento. Ao verem que o plano estava funcionando, Renan e Jader procuraram o apoio de deputados que também tinham interesse na vingança, por terem sido retratados em reportagens de VEJA cujo conteúdo lhes desagradou. A maioria deles responde a processos. Alguns são réus no inquérito do mensalão, que está sendo julgado pelo STF. No PT, Jader conversou com João Paulo Cunha, Paulo Rocha e José Genoíno, presidente do PT na eclosão do escândalo do mensalão. Na última semana, o trio petista se empenhou mais em angariar assinaturas do que em ajudar a construir suas defesas no Supremo.

A essa altura, o requerimento de Wladimir Costa já era de conhecimento de muitos parlamentares. Mas faltava cooptar uma parte do PMDB. Acompanhado de Olavo Calheiros, irmão de Renan, Jader recorreu a Anthony Garotinho, Orestes Quércia e Roberto Requião – outra trinca que não consegue conviver com uma imprensa independente. Eles obtiveram 29 assinaturas de peemedebistas. O PCdoB, partido pelo qual Renildo Calheiros, o irmão mais novo de Renan, é deputado, compareceu com os seus treze deputados. Para superar o número de 171 assinaturas, mínimo necessário para que o pedido de uma CPI seja apresentado na Câmara, o vale-tudo ganhou impulso. A palavra de ordem passou a ser "enganar".

O deputado Eliseu Padilha foi um dos ludibriados. Ele conta que estava no plenário, na quarta-feira passada, quando foi abordado pelo deputado Aníbal Gomes, do PMDB do Ceará e cupincha de Renan. Padilha coletava assinaturas para a criação de uma Frente Parlamentar dos Terrenos da Marinha. "Se você assinar o meu, eu assino o seu", propôs Gomes, com um papel na mão. "O que é o seu?", questionou Padilha. "Um pedido de explicações para o Hélio Costa", mentiu Gomes, referindo-se ao ministro das Comunicações. Quando leu na sexta-feira que a CPI da TVA poderia ser instalada, Padilha consultou a secretaria-geral da Câmara e descobriu que seu nome estava entre os apoiadores. Imediatamente, pediu a retirada. "Não sabia o que era. Se soubesse, não teria assinado", diz. O partido Democratas vai questionar formalmente a mesa da Câmara dos Deputados. O presidente do partido, deputado Rodrigo Maia (RJ), e o líder da bancada, Onyx Lorenzoni (RS), consideram o pedido de CPI uma "tentativa inaceitável de atingir a liberdade de imprensa em vigor no país". Segundo eles, a iniciativa tem um só objetivo: "Usar o poder institucional do Legislativo contra o direito de acesso à informação do povo brasileiro". Maia lembra: "Não há fato determinado. O que há é um desserviço ao Brasil e à democracia".

A utilização de uma CPI como instrumento de vingança pessoal é um desvirtuamento institucional e um insulto à democracia. Personalidades da República ouvidas por VEJA mostram-se perplexas e indignadas com a malandragem de Renan e seus seguidores (veja galeria nestas páginas e nas anteriores). O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, tem poderes para deter essa marcha da insensatez, e se o fizer estará prestando um serviço à imagem da instituição que preside. O Grupo Abril reafirma sua crença no depurativo da imprensa e conclui que a CPI é "uma tentativa espúria de alguns poucos, dentro e fora do Parlamento, de manipular a Câmara dos Deputados de modo a atingir a Abril pelos fatos que VEJA tem revelado sobre o senador Renan Calheiros".

CPI É AMEAÇA À LIBERDADE DE IMPRENSA, AFIRMAM POLÍTICOS

Para governadores, prefeitos, senadores, deputados e
representantes de entidades da sociedade civil, Renan
Calheiros foi longe demais em sua tentativa de retaliação

Otavio Dias Oliveira
"Achei essa iniciativa um absurdo. Trata-se de uma evidente ameaça à liberdade de imprensa. Além disso, banaliza o sentido e o propósito de uma CPI."
José Serra, governador de São Paulo

Hedeson Alves/AE

"Uma CPI não deve servir para apurar questões que dizem respeito a operações comerciais, há outros foros para isso. Também não pode se transformar em objeto de disputa política, porque corre o risco de se desmoralizar."
Aécio Neves, governador de Minas Gerais


Oscar Cabral

"Uma CPI só se justifica quando o interesse público é lesado, o que não é o caso. Do jeito que está posta, é uma inibição à liberdade de imprensa. Não foi caminhando nessa direção que o Brasil avançou tanto. Essa CPI tem ares venezuelanos."
Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro


Vidal Cavalcante/AE

"É lamentável o desvirtuamento do conceito das CPIs. Elas não podem servir de instrumento para atender a objetivos que não aqueles definidos no foco de suas atribuições. Tenho receio de que essa proposta atenda a outros interesses."
Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo


Bruno Veiga/Strana

"A reação do senador Renan Calheiros mostra que ele faz parte daquele grupo de políticos que quer que a imprensa lhe seja serviçal. Se fosse apenas um parlamentar, isso poderia ser considerado um deslize. Mas ele é presidente do Congresso. Isso é extremamente grave para a democracia."
Cesar Maia, prefeito do Rio de Janeiro


Ana Araujo

"Essa iniciativa de Renan Calheiros acabará se voltando contra o próprio senador. Ela reforça a idéia de que Renan está usando a força de seu cargo, e da instituição que preside, para retaliar a imprensa, o que é inadmissível. Um ato dessa natureza cria um precedente muito perigoso."
Tasso Jereissati, senador (PSDB-CE)


Dida Sampaio/AE

"Eu, que sempre fui defensor da liberdade de imprensa – no meu governo nunca processei nenhum jornalista –, jamais posso aprovar qualquer retaliação direta ou indireta contra um órgão da mídia nacional, especialmente tão expressivo como a Editora Abril."
José Sarney, senador (PMDB-AP)


Joedson Alves/AE

"Essa CPI soa como uma vingança pessoal em razão das denúncias contra Renan Calheiros. Se cada denúncia de um órgão da imprensa contra um parlamentar resultar em uma CPI contra o denunciante, será uma tentativa de intimidação muito preocupante."
Jefferson Péres, senador (PDT-AM)


Cristiano Mariz

"É a retaliação de um político atolado em irregularidades. Como não tem como se defender, ataca quem o denuncia. Como não tem mais poder no Senado, utiliza a Câmara como cabo de chicote. Com essa CPI, a Câmara se desmoralizará, como o Senado já se desmoralizou."
Demostenes Torres, senador (DEM-GO)


Roberto Barros/Ag. Brasil

"É preciso concluir esses processos em torno do senador Renan Calheiros para depois, se for o caso, começar outro. O que não pode acontecer é isso virar uma vendeta. Imagine se cada vez que um político for alvo da imprensa ele quiser abrir uma CPI."
Pedro Simon, senador (PMDB-RS)


Ana Araujo

"Essa tentativa de intimidação é mais uma forma de inibir as críticas aos políticos no Brasil. Essas intimidações normalmente acontecem via Judiciário, com processos que são apenas para ameaçar a imprensa, e agora surge essa outra modalidade, que é tentar inibir usando uma CPI. Acho que elas tendem ao fracasso."
Fernando Gabeira, deputado (PV-RJ)


Luis Antonio

"Não há razão para essa CPI. Primeiro, porque não cabe aos parlamentares interferir num negócio perfeitamente legal entre empresas privadas. Depois, porque o Parlamento não pode servir de instrumento de vendetas. Muito menos do senador Renan Calheiros."
Onyx Lorenzoni, deputado (DEM-RS)


Heitor Hui/AE

"Tudo indica que o presidente do Senado aventou essa possibilidade de irregularidade na transação da Abril em represália às matérias de VEJA. Pela leitura do noticiário, não enxerguei nenhum ilícito praticado pela empresa."
Claudio Weber Abramo, diretor executivo da Transparência Brasil


"A ABI acompanha com preocupação qualquer medida que represente restrição à liberdade de informação, como no caso desse requerimento de CPI que Renan conseguiu na Câmara como represália ao noticiário que a revista VEJA vem publicando contra ele."
Maurício Azêdo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)


Lalo de Almeida/Folha Imagem

"A CPI não é caminho adequado. Se Renan Calheiros tem notícia de alguma irregularidade dessa natureza, ele deve recorrer ao Ministério Público. No Congresso, banalizaram a CPI, que acaba desmoralizada pelos excessos."
Dalmo Dallari, jurista



NADA A ESCONDER

A tentativa de Renan Calheiros de atingir o Grupo Abril assenta-se sobre uma falsidade com a qual ele procura transformar em escândalo uma operação comercial absolutamente legal, analisada e aprovada pelo governo depois de nove meses de estudos. De acordo com o pedido de instalação da CPI, a operação entre a TVA – empresa do Grupo Abril – e a espanhola Telefônica "fere o interesse nacional, restringe a concorrência e agride o mercado nacional". São afirmações mentirosas. A transação entre a TVA e a Telefônica respeita o interesse nacional, aumenta a concorrência e fortalece o mercado. A lei exige que, para se associarem a uma companhia estrangeira, as empresas de TV a cabo conservem, no mínimo, 51% do seu capital votante sob controle nacional. No caso de São Paulo, onde a Telefônica é concessionária, esse porcentual sobe para 80,1%.

Foi exatamente o que fez o Grupo Abril ao vender parte da TVA à Telefônica. E, ao fazê-lo, não inaugurou nenhum procedimento. A recente convergência das tecnologias de voz, dados e imagem estimulou parcerias entre empresas de diversos países e, no Brasil, foi o pano de fundo não só do acordo entre o Grupo Abril e a Telefônica, mas de outros envolvendo empresas estrangeiras que o precederam. Em 2005, a Portugal Telecom adquiriu participação no Grupo Folha, dono do jornal Folha de S.Paulo e do provedor de acesso à internet UOL.

Em 2004, a Globopar – controladora da Net – associou-se à mexicana Telmex (proprietária da Embratel e da Claro), passando a ela parte do controle da Net. A associação da TVA com a Telefônica é análoga àquela entre NET e Telmex. Ambas foram autorizadas pela Anatel. Todos os trâmites da operação não só foram respeitados como têm sido acompanhados pelos órgãos competentes – em contraste com os negócios subterrâneos de Renan Calheiros.

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