Um estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) constatou que programas de transferência de renda no Brasil e no México foram responsáveis por uma redução de 21% na desigualdade de renda nos últimos dez anos, enquanto no Chile não houve alteração. A pesquisa, que só acompanhou os programas que exigem uma contrapartida do beneficiário, mostra que os programas brasileiro Bolsa Família e o mexicano Oportunidades são responsáveis pela melhoria do coeficiente Gini, índice internacional para medir a desigualdade. Os autores verificaram que no Brasil e no México as iniciativas foram responsáveis pela redução de 0,6 e 0,5 pontos, respectivamente, do índice Gini na década.
Ao todo, entre 1996 e 2006 o coeficiente Gini caiu 2,8 pontos no Brasil e 2,7 pontos no México. O indicador de desigualdade atingiu em 2005 o nível mais baixo da história do levantamento feito pela Fundação Getulio Vargas. A taxa, que vai de zero a 1 (quanto mais próximo de zero melhor), caiu de 0,583, em 2003, para 0,568, em 2005. Já no Chile, o índice se manteve estável, e a contribuição do Chile Solidário foi marginal.
Os programas de transferência de renda foram o segundo fator que mais contribuíram com a queda na desigualdade de renda no período estudado, atrás apenas da renda proveniente do trabalho. No caso brasileiro, isso demonstra que o aumento do salário-mínimo teve forte influência também.
Sergei Soares, pesquisador do Ipea que trabalhou na pesquisa, considera esse resultado bastante significativo: “Uma queda de 2,8 pontos no índice Gini pode parecer pequena, mas é bastante grande. Os países europeus quando introduziram o Estado de Bem-estar Social tiveram a evolução do Gini neste mesmo patamar”.
O estudo ressalta dois aspectos que fazem com que os programas tenham bons resultados: a focalização e a cobertura. Nos três países avaliados foi constatada uma focalização bastante eficiente.
No Brasil, por exemplo, 80% dos benefícios do Bolsa Família são direcionados para 40% das famílias mais pobres, o que é considerado tecnicamente um bom índice. Outro economista, Ricardo Paes e Barros, diz que “é natural que só 80% ou 90% dos benefícios cheguem ao objetivo final”, mas destaca que o Bolsa Família conseguiu fazer com que 70% dos pobres brasileiros sejam incluídos no programa.
O Bolsa Família, pelas medidas técnicas, é melhor que o programa do México, e é parecido com os melhores programas chilenos, que têm já uma década de experiência. O Oportunidades e o Bolsa Família atingem milhões de pessoas, e o programa Chile Solidário alcança apenas 225 mil famílias.
No caso brasileiro, a boa focalização do programa é atribuída pelos estudiosos à parceria entre o governo federal e os municípios que identificaram as famílias beneficiárias. O acompanhamento da freqüência escolar, por exemplo, está sendo realizado desde outubro de 2006 por operadores municipais e estaduais de educação, que passaram a se responsabilizar oficialmente pelo registro das informações.
Quando o programa foi criado, em outubro de 2003, a linha de pobreza era R$ 100, o que gerou a estimativa de 11,2 milhões de famílias pobres.
O programa atingiu 3,6 milhões de famílias no final de 2003; chegou a 5,7 milhões no final de 2004; a 8,5 milhões no final de 2005 e deveria chegar a 11,2 milhões em 2006, o que significava 23,4% das famílias brasileiras. No início de 2006, com o reajuste da linha de pobreza com base no índice INPC geral, a estimativa caiu para 11,1 milhões, o que representava 21,6% das famílias. Mas hoje, o total de famílias no programa Bolsa Família é de 10.584.750, aumento de 11,5% em relação ao ano passado.
Aí começam os problemas do acompanhamento das condicionalidades, que diferencia os programas assistencialistas dos que efetivamente incluem socialmente os indivíduos que protege. Das famílias abrangidas pelo Bolsa Família, apenas 4.425.320 são acompanhadas para efeito das condicionalidades. Embora o percentual de famílias acompanhadas tenha aumentado, são apenas 41,8% do total contra 33,4% do último semestre de 2006. Dentre as 5.697.752 crianças beneficiadas, apenas 2.913.909 ou 51% são acompanhadas, e esse número já representa um avanço, pois no segundo semestre de 2006 apenas 40,3% eram acompanhadas.
Existem 72.213 gestantes acompanhadas pelo programa, e, dessas, 97,5% cumpriram as condicionalidades. A secretária nacional de renda e cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social, Rosani Cunha, tem uma visão idealista do programa e diz que o desenho de acompanhamento das condicionalidades é uma grande novidade do programa brasileiro, que objetiva a inclusão das famílias, e não o seu corte.
O processo é propositalmente lento e gradativo: primeiro se notifica a família, para tentar montar uma rede de apoio para que a criança retorne à escola. O segundo movimento é o benefício ficar bloqueado, e se a criança voltar à escola, o recebe posteriormente. Depois, se ela continuar não cumprindo, há uma primeira e uma segunda suspensão, e nesse caso o benefício não retorna retroativamente, até o cancelamento.
Embora os registros mostrem que quase 2 milhões de famílias já saíram do programa entre 2004 e 2007, com 1 500 mil cancelamentos e 500 mil bloqueios, Rosani Cunha não tem condições de dizer se saíram por estarem fora dos parâmetros do programa ou se melhoraram de vida. Até hoje, apenas 11 famílias tiveram o programa cancelado.
Diante dos mais de 10 milhões de famílias atendidas, as punições parecem mínimas, e causadas pelo acompanhamento ineficiente das condicionalidades. (Continua amanhã)
Entrevista:O Estado inteligente
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