Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 11, 2007

Miriam Leitão Tudo que era sólido

A crise desta semana serve para lembrar algumas lições básicas: não há ciclo bom que dure para sempre; não há proteção completa contra crises globais; a liquidez, por mais excessiva que pareça, pode sumir de repente; as bolhas produzem preços irreais e reduzem a noção de risco. Há chance de saída lenta e segura da crise, mas o pior cenário ainda não pode ser descartado.

Tudo era sólido até quartafeira. Nos dois dias seguintes, uma onda de insegurança se espalhou pelos mercados europeu, americano, japonês, coreano.

Os bancos centrais despejaram volumes nunca vistos no mercado, socorrendo bancos com empréstimos baratos para evitar que o abalo financeiro vire uma crise bancária. Alguns investidores perderam muito dinheiro. O Brasil, que não tem nada com isso, teve alta de risco e queda da bolsa.

Como é que o que parecia tão sólido se desmancha no ar de forma tão instantânea? Resposta: não era sólido.

Quem conversava semanas atrás com os jovens analistas do mercado financeiro tinha uma certa dificuldade de encontrar quem dissesse que poderia haver o cenário que o mundo viveu esta semana.

Em geral, o que se ouvia era que o mundo tinha muita liquidez, que o dinheiro estava sobrando, além de duas ou três histórias espantosas de ofertas de recursos, ou de lançamento de ações.

Os mais experientes no mercado, no entanto, já vinham pondo as barbas de molho. José Alfredo Lamy sempre alertou para o exagero de cotações e exuberâncias.

José Roberto Mendonça de Barros me disse, numa entrevista semanas atrás, que ele tinha a sensação de que o mundo estava fazendo um piquenique perto de um vulcão.

Ele entrou em erupção esta semana quando o BNP Paribas, na França, disse que não sabia avaliar qual era o preço justo dos papéis que tinha em carteira de três fundos. Por isso, os investidores não poderiam sacar o próprio dinheiro.

Esses papéis em carteira dos fundos eram produtos financeiros derivados de hipotecas de maus pagadores do mercado americano. Esse mundo do capital globalizado tem dessas coisas; parece ficção mirabolante.

O Brasil tem bala na agulha, diz o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Ministros dizem sempre coisas assim. Mas o fato é que não existe abrigo antiaéreo quando a crise é realmente forte e o Brasil tem ainda algumas fragilidades.

Entramos nesta crise com muito mais oxigênio no balão do que jamais aconteceu. Os disparos da década de 90 tinham um alvo: países com desequilíbrio no balanço de pagamentos e que tinham câmbio fixo. Nós éramos exatamente assim, estávamos na mira dos especuladores.

A crise de agora tem também um alvo: preços irracionais de ativos alavancados por uma bolha alimentada pela concessão de crédito sem cuidado do mercado imobiliário americano.

A questão desta vez não é diretamente conosco. Mas, nos últimos anos, a bolsa brasileira subiu, como todas do mundo. Subiu por boas e fundadas razões: as empresas estavam subavaliadas em 2002, quando começou o ciclo de alta; a rentabilidade está alta; houve lançamentos muito bem-sucedidos.

Contudo há muitos preços fora do lugar também na bolsa brasileira, os quais serão atingidos pelo processo de correção de ativos por que o mundo passa.

O Brasil melhorou de forma impressionante seus índices de solvência, mas ainda é um país em que o governo tem déficit nominal, no qual os gastos públicos aumentam muito acima do PIB há vários anos, onde o governo não tem uma agenda de redução ou racionalização desses gastos públicos e que ainda tem uma dívida alta e cara. Reformamos uma parte da casa, deixamos outra com o telhado ainda com goteiras. Não estamos preparados para uma grande tempestade, ao contrário do que diz o ministro Guido Mantega. Aliás, se houver uma grande tempestade, o país talvez se dê conta de que lhe faltam experientes e tarimbados operadores em alguns postoschaves da economia.

Felizmente não está certo que haverá uma grande tormenta, apesar dos raios e trovões destes dias. As nuvens podem se dissolver se surgirem boas notícias nas próximas semanas, se o Fed reduzir os juros americanos, se os números mostrarem que a inadimplência no mercado imobiliário dos EUA não aumentou.

Mas, na área financeira, tudo depende do intangível: a confiança do investidor no sistema bancário. Se houver uma onda de desconfiança, os saques se propagam, e os fundos podem ir quebrando num dominó.

Não é o mais provável. O mundo tem chance de reduzir lentamente o crescimento, desinflar a bolha imobiliária americana, fazer uma correção técnica dos ativos de renda variável sem uma crise generalizada no mercado de crédito.

Se for assim, que fique o alerta: o Brasil chegou tarde na onda de crescimento, tem deixado de lado tarefas inadiáveis para se tornar uma economia mais robusta; há muito a fazer para melhorar o desempenho da economia brasileira.

A economia real está crescendo no país mais que nos anos recentes. Mas, para isso, ela tem que se debater com uma logística deplorável e uma estrutura de impostos pesada e irracional.

O governo Lula não enfrentou, até agora, nenhuma crise global. Se houver uma realmente importante, verá que bala na agulha não é tudo. Era preciso ter se preparado melhor. E isso se faz não reclamando do passado, nem se engrandecendo, mas removendo as pedras do caminho. A boa notícia é que a crise ainda pode ser evitada; a má notícia é que, nas próximas semanas, o mundo continuará no sobe-e-desce temendo eventos como o do Banco BNP Paribas.

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