Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 05, 2007

Caos aéreo e capitalismo Mailson da Nóbrega



A menos que surja outro sistema econômico capaz de gerar mais riqueza e bem-estar, nosso objetivo deve ser a consolidação de um sistema capitalista fundado em estabilidade macroeconômica, instituições sólidas, educação de qualidade e políticas sociais em favor dos pobres. Uma opção - o socialismo - fracassou. A outra - o nacional-desenvolvimentismo - se esgotou.

Infelizmente, estamos longe de entender o sistema capitalista e o papel da boa regulação para ampliar seus benefícios e reduzir seus custos. Basta ver o debate em torno do desastre em Congonhas e do caos aéreo e o que se falou sobre as agências reguladoras e a idéia de privatização da Infraero.

Vejamos a Infraero. Seu presidente, o brigadeiro José Carlos Pereira, se disse contrário à privatização, alegando que as empresas privadas iriam aceitar apenas o filé. Não lhe veio à mente a privatização da telefonia fixa e as respectivas metas, que obrigaram as empresas a universalizar os serviços, inclusive em lugares remotos ou pouco lucrativos. A privatização da Infraero poderia incluir a operação de aeroportos deficitários.

O senador Sérgio Guerra (PSDB-PE), um político sério e experiente, usou outro argumento. Para ele, a privatização deveria ser descartada, pois a segurança dos passageiros cabe ao Estado. Como as empresas privadas visam a apenas o lucro, os usuários dos terminais estariam sob grave risco. O senador provavelmente não sabe que o Reino Unido e o Chile privatizaram terminais de forma responsável. Não consta a existência de caos ou de acidentes fatais nos aeroportos britânicos e chilenos.

O êxito das estradas privatizadas se contrapõe ao argumento. Elas dispõem de boa sinalização, pistas bem conservadas e serviços de apoio, inclusive nos acidentes. Enquanto isso, as rodovias do governo são mal sinalizadas, esburacadas e quase sem apoio. Proporcionalmente ao tráfego, as estradas públicas ceifam mais vidas que as operadas pelo setor privado.

O senador disse ainda que as empresas aéreas precisam criar uma cultura como a da Varig, que se preocupava mais com os passageiros do que com o lucro. Por isso, como se sabe, a empresa era considerada uma “estatal” sem o Tesouro por trás dela. Quebrou. Se tivesse sido operada pela lógica capitalista, poderia ter mantido a robustez. Estaria agora contribuindo para melhorar a concorrência nos serviços de transporte aéreo.

Ao contrário do que se pensa, as empresas privadas têm interesse em zelar pelo conforto e pela segurança dos clientes, pois isso contribui para a sua capacidade de gerar lucros. A Embraer, a Boeing e a Airbus não pensam apenas no lucro, mas também na segurança dos que usam seus aviões. Negligência e descaso podem quebrar essas empresas e destruir os capitais nelas investidos.

Em ambientes institucionais adequados, existem incentivos para que as empresas se preocupem em atender bem aos clientes. Interesses particulares podem conduzir ao bem-estar geral. Adam Smith já percebia essa realidade em 1776. “Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou padeiro que nós devemos esperar nossa refeição, mas da busca de seu próprio interesse”, disse ele.

Os avanços mais recentes da teoria econômica mostraram a importância dos incentivos para o comportamento dos indivíduos e das empresas e para o desenvolvimento. Para Steve Landsburg, um estudioso do assunto, a teoria econômica “pode ser resumida em quatro palavras: pessoas reagem a incentivos. O resto é detalhe”.

Não bastassem declarações aqui citadas, o vice-presidente, José Alencar, piorou o clima desanimador ao condenar a idéia da autonomia das agências reguladoras, que “não deu certo”. Para ele, as decisões de um governo “são eminentemente políticas” e não técnicas. Alencar jogou fora pelo menos um século de experiência, estudos e pesquisas que evidenciaram a conveniência dessa autonomia para defender a sociedade do poder discricionário de políticos despreparados ou mal-intencionados.

Apesar de tudo, estamos em um caminho sem volta. Ou o percorremos bem ou veremos fracassar o propósito de assegurar os níveis de desenvolvimento que o País merece. A renovação de lideranças e de gerações, associadas a melhorias na educação e a novos avanços institucionais, poderá contribuir para superar essas dificuldades.


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