Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 05, 2007

Lula e as agências reguladoras

Suely Caldas

O Congresso começa a discutir esta semana, em regime de urgência, o projeto das agências reguladoras. Corre o risco de tomar decisões erradas, que podem significar um deplorável, dispensável e inútil atraso institucional, de efeitos perversos para os interesses do País, da democracia e da população, se seguir as mudanças propostas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por partidos aliados. Lula nunca aceitou a idéia de autonomia das agências, por entender que lhe tira poderes. Agora, de forma oportunista, tira proveito da comoção causada pelo acidente com o avião da TAM e dos próprios erros do governo e da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) na crise aérea, para ferir de morte essas instituições, cuja autonomia não é invenção brasileira, mas uma tendência no mundo inteiro.

“Quem nomeia tem de ter o poder de demitir”, disse Lula, na quinta-feira, a líderes de 11 partidos aliados, invertendo grosseiramente a raiz da razão da incompetência e omissão da Anac nesses dez meses de crise. Surpreende a declaração porque em nenhum momento Lula criticou os diretores que nomeou para a agência (quatro deles apadrinhados do PT e partidos aliados) e ainda desautorizou o novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, a demiti-los, o que reforça a suspeita de que seu objetivo é um só: tirar proveito da situação para mudar regras que lhe permitam pôr e tirar diretores a qualquer momento, a torto e a direito, simplesmente para atender a interesses político-partidários.

Está justamente aí a raiz dos erros da Anac: o problema não é demitir, é selecionar quem será nomeado. E as escolhas feitas por Lula obedeceram unicamente ao critério político-partidário, o loteamento de cargos, a indicação de pessoas que ali estão com a missão de servir ao seu partido, não ao País, e que, nos últimos quatro anos e meio, produziram mensalões, vampiros, práticas intermináveis de corrupção, desvio de dinheiro público e uso dos instrumentos de Estado para distribuir favores. O velho e bom critério de experiência, mérito, especialização, competência e conhecimento técnico foi revogado neste governo, substituído pelo condenável apadrinhamento político. Se a diretoria da Anac fosse ocupada por quadros técnicos, de respeitada e reconhecida competência no mercado, certamente erros e omissões teriam sido evitados.

Mas, não, Lula insiste no erro. Agora mesmo acaba de entregar a presidência da estatal Furnas, que já teve a diretoria demitida por corrupção em 2005, a um arquiteto, ex-prefeito do Rio, que nunca transitou no mundo da energia, mas é apadrinhado do PMDB fluminense e do ex-governador Garotinho. E de chantagem em chantagem vai aceitando entregar a Eletrobrás, a Eletronorte, as Centrais Hidrelétricas do Rio São Francisco (CHESF), o setor elétrico, enfim. É, no mínimo, brincar com o perigo entregar a políticos despreparados a gestão de um setor que corre sério risco de sofrer apagão elétrico em dois, três anos.

Se o problema fosse demitir a diretoria da Anac, Lula não teria dificuldade de convencer os apadrinhados a facilitar seu caminho ou fritar e perseguir até conseguir a renúncia coletiva. Como ocorreu em 2003, no único precedente conhecido: sob pesada pressão e perseguição política do Palácio do Planalto e do Ministério das Comunicações, o economista da FGV Luiz Guilherme Schymura foi levado a demitir-se. O que Lula realmente quer é ter poder para tirar o diretor quando quiser.

No mundo inteiro agências reguladoras operam com autonomia financeira, de ação e decisão, simplesmente porque são instituições essencialmente técnicas, voltadas para garantir o equilíbrio econômico-financeiro e o suprimento de um serviço prestado à população. Para cumprir essa missão, seus diretores têm mandato fixo, que os livra de atos de retaliação do governante eventual, e só podem ser demitidos por falta grave e com aprovação do Senado. É condição essencial para tomar decisões politicamente antipáticas, mas absolutamente necessárias. Assim funciona no mundo inteiro, um avanço institucional que fortifica a democracia e protege os direitos do cidadão.

É isso que estará em jogo nos próximos dias, quando o Congresso começar a discutir o relatório do deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), que em nada altera as atuais regras de demissão nas agências, mas vai mudar para atender aos desejos de poder de Lula. Os brasileiros usuários de serviços públicos agradeceriam aos senhores parlamentares se decidirem pensando no bem público, não em cargos.


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