Elena Landau
A implicância deste governo com as agências é antiga. Logo no início de seu primeiro mandato, Lula, inconformado com o reajuste de tarifas de energia elétrica acima da inflação que havia sido homologado pela Aneel, agência reguladora do setor elétrico, reclamou que o presidente da República não poderia tomar conhecimento desses aumentos pelos jornais, como um cidadão comum. O subtexto dessa indignação era o desejo de intervenção nos reajustes tarifários e, portanto, nos contratos de concessão.
O reajuste de tarifas, como se sabe, decorria de fatores reais, como o acréscimo no preço da energia, a desvalorização do real ante o dólar e a elevação dos encargos e tributos do setor. A metodologia de cálculo está detalhada no site da Aneel. Aliás, a Aneel tem hoje um processo decisório dos mais transparentes. A crítica do governo, no entanto, criou a impressão de que a agência era incompetente, e sua independência algo a ser eliminado para o bem de todos.
A verdade é outra. Antes da Aneel, a regulação do setor elétrico era feita pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (Dnaee), que, como o nome diz, era um departamento ligado ao Ministério e composto por técnicos oriundos das empresas a serem fiscalizadas. Enquanto neste país ainda se regulavam estatais, nunca se discutiu eficiência, custos, margens, cortes, inadimplência, nem equilíbrio econômico e financeiro do contrato. Esses conceitos são novos, fazem parte da cultura regulatória e precisaram de tempo para serem entendidos e aplicados corretamente. Para isso, foi necessária a melhoria da qualidade técnica dos profissionais que atuam na Aneel. Também foi fundamental para a mudança, e o melhor entendimento da importância da Aneel, o País passar pelo trauma do racionamento. Afinal, nada muda no Brasil sem uma grave crise. Infelizmente, no caso da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) foram precisos dois acidentes aéreos, com a perda de centenas de vidas, para que se começasse a discutir a competência de seu corpo técnico.
Desde 2004 o tema das agências está posto no Congresso Nacional por meio do Projeto de Lei nº 3.337. Na ocasião da sua apresentação, houve muitos debates sobre a regulação e a independência das agências. Tais discussões geraram sugestões (nem sempre incorporadas) feitas por grandes especialistas na área - e não por experts de ocasião, como tantos que apareceram neste momento. Sempre fomos um país de técnicos de futebol, e agora estamos nos tornando também um país de especialistas em regulação.
Agora que a nova lei das agências passou a ser prioridade e precisa ser votada a toque de caixa, o debate atual se concentra num único ponto: o fim da estabilidade dos dirigentes desses órgãos. Há muitos outros temas que ficaram de escanteio, como o contingenciamento de recursos imposto às agências, que reduz seus orçamentos pela metade, prejudicando claramente a qualidade da fiscalização e da regulação, ou o equívoco conceitual de tratar agências executivas da mesma forma que as agências reguladoras de monopólios, como a Aneel.
A independência das agências foi um grande avanço. As agências devem continuar independentes para resistir tanto às pressões do setor privado - não tem cabimento aceitar favores, do tipo viajar de graça em aviões das empresas que deveriam regular - quanto às pressões dos políticos para nomear apadrinhados e arrumar favores para seus amigos.
Recentemente, o presidente da CBF deu declarações bastante negativas sobre a organização e o preparo da seleção na Copa da Alemanha. Mas não era ele exatamente o responsável por essas funções? Não era sua obrigação indicar uma comissão técnica mais competente? Apaixonada que sou por futebol, tenho por política nunca vaiar um jogador do meu time, afinal, ele não tem culpa de não saber jogar. A culpa é do dirigente que compra seus direitos ou do técnico que o escala. Estes é que poderiam ser vaiados. Em vez de terminar na prática com a independência, dando ao governo o poder de demitir os diretores, não seria melhor acertar desde logo na convocação?