Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 18, 2007

A golpes de nariz Dora Kramer

Se fosse mesmo possível atribuir ao poder de mobilização das massas de César Maia a vaia da multidão no Maracanã na abertura dos Jogos Pan-Americanos, convenhamos, seria obrigatório também concluir que o prefeito do Rio de Janeiro nessa matéria dá de mil no governador do Estado, Sérgio Cabral Filho.

Ex-presidente da Federação Brasileira dos Albergues da Juventude, o governador não viveu exatamente um momento grande em termos de celebração da juventude ao perder a tramontana por causa de estudantes (há dúvida sobre se eram 11 ou 12) que vaiavam autoridades numa inauguração de escola técnica em Campos, quinta-feira.

"Uuhh,uuhh... vamos dar uma vaia para eles", pediu o governador ao público selecionado para assistir ao discurso do presidente Luiz Inácio da Silva que viria logo a seguir, quando ouviu os desaforos e viu no meio da platéia o grupo de estudantes empunhando suas perigosas armas: narizes vermelhos de plástico, ao molde dos usados por palhaços de circo, já há algum tempo consagrados como símbolos de protesto.

No auge da crise aérea, vários passageiros freqüentaram aeroportos com o artefato a espremer-lhes as narinas. Aos donos das companhias aéreas, ao presidente da Infraero, ao ministro da Defesa ou ao comandante da Aeronáutica não ocorreu chamá-los para a briga.

Entre outros motivos porque não representavam uma ameaça à ordem estabelecida nem significavam transtorno ao progresso do Brasil. Apenas exerciam seu direito de protestar.

Assim fizeram os estudantes que furaram o cerco da segurança presidencial. Teriam passado em branco - no máximo mereceriam uma referência de passagem no noticiário, que por certo registraria como exígua a manifestação - não fosse o afã do governador em mostrar serviço ao presidente da República.

Sérgio Cabral Filho, talvez ainda com as vaias do Maracanã atravessadas na garganta e com receio de Lula não o considerar um aliado confiável e um anfitrião politicamente forte o bastante para evitar protestos à passagem presidencial pelo Rio, abriu mão da serenidade inerente à exigência do cargo e deu a maior força à garotada. No lugar do pé de página, o ato ganhou o título das reportagens.

Passou recibo por um único e miúdo motivo: a bajulação como garantia do repasse de verbas federais. O presidente Lula, claro, ficou feliz e ainda o aconselhou, paternal, a nunca mais "ficar nervoso com esse pessoal desprovido de consciência política".

Nariz de palhaço, na concepção do presidente, revela inconsistência ideológica. Futilidade cívica.

Pelo menos eram jovens na rua. Singelos, mas não institucionalmente desrespeitosos como os deputados do PT que, na oposição, penduravam apitos na boca e se punham a soprá-los no plenário da Câmara para tumultuar votações.

Como reagiria o governo hoje se deputados da oposição promovessem apitaços contra, por exemplo, a prorrogação da CPMF ? Diria que o golpe estava a galope ao som dos "piuís" e talvez recorresse ao toque Cabral de reunir: "Uuhh, uuhh..."

A cena patrocinada pelo governador do Rio seria apenas tosca, não revelasse também como andam à flor da pele os nervos governistas. Caindo em qualquer provocação.

Livre pensar

O "Cansei" fez sua manifestação, reuniu 1.500 pessoas na Praça da Sé, teve hino, teve palavras de ordem e o mundo não acabou. O governo não se enfraqueceu, a oposição não se fortaleceu.

Mas ficou a marca da intolerância presente nas manifestações de deboche ao movimento por não ser "popular" no molde pretendido por engajados de escrivaninha, sectários no (mau) sentido elitista do termo.

Nunca se viu tanto protesto contra um protesto, numa inversão do sentido cívico da cidadania. Reclamar contra a inépcia, a violência, a cobrança de impostos, a corrupção ou mesmo contra um governo ou um presidente da República virou motivo de escárnio.

Depois se diz que o brasileiro é inerte e despolitizado frente a outros povos da América Latina mesmo. É e continuará sendo enquanto certos bem educados continuarem a considerar o exercício do protesto uma atividade de uso exclusivo de suas convicções.

Mais adequado à democracia do que desqualificar o direito à discordância é exercitar o direito à concordância com a organização de ato semelhante para apoiar - não a corrupção, os impostos, a inépcia ou a violência, porque com isso ninguém concorda e seria ironia assim sugerir aos críticos - o que bem lhes aprouver.

As partes

O presidente Lula disse nesta semana que a crise aérea está resolvida "em parte". Não disse, entretanto, a que parte se referia.

Perguntado a respeito, em entrevista ao Globo, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, esclareceu: "Pelo menos a temperatura está baixando."

Noves fora, a referida solução até agora é a redução da pressão da opinião pública.

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