PANORAMA ECONÔMICO |
O Globo |
1/8/2007 |
Há uma enorme confusão no governo Lula sobre o que são as agências reguladoras e seu papel. São vistas como uma idéia tucana, mas são uma idéia universal. Os cargos têm sido distribuídos partidariamente, e isso é o pior risco que passa um órgão que tem que defender o interesse geral. As agências são vistas como usurpadoras do poder do governo e são ferramentas da estabilidade de regras. Por não entender a natureza do modelo, o governo vai de um erro ao outro. O ministro Nelson Jobim, nas suas primeiras declarações, sugeriu que poderia trocar os nomes e o modelo da Anac. Caminha para enfraquecer a agência, dando força a um conselho de ministros que dará ordens a serem cumpridas pela agência. O Conac deve, sim, reunir-se com mais freqüência para analisar todos os pontos da questão e tomar as providências que precisam ser tomadas pelo governo, mas não pode ser a agência reguladora da aviação no Brasil e tomar as decisões cotidianas e técnicas que cabem a uma agência. O grande desafio que o governo tem diante da Anac é como manter a independência da agência, fortalecê-la, sem que isso signifique manter a direção, que tem um desempenho deplorável. Essa direção foi escolhida por critérios errados e seu mau desempenho é parte fundamental da crise aérea: foi ela que deixou os vôos se concentrarem em Congonhas; que não fez um planejamento estratégico para ocupar o espaço vazio deixado pela falência da Varig, que era dominante no mercado; que se deixou capturar pelas empresas; que, nas duas grandes tragédias, mostrou não estar preparada para atuar em crises. Foi quem não impediu que a Infraero desse prioridade à construção dos shopping centers de aeroportos em vez de segurança da pista. A bem da verdade, o governo Lula não errou sozinho, teve a companhia do Senado, por onde os nomes passaram com facilidade. Este governo demitiu o presidente da Anatel Luiz Schymura por pressão do então ministro Miro Teixeira, que queria mais ingerência no setor. E ingerência para fazer uma política tarifária populista. Uma política de preços que atenda a interesses políticos passageiros pode levar a um colapso do investimento. Como agora, com a energia, na Argentina. Agência não é órgão de defesa do consumidor, mas, quando regula de forma eficiente, melhora a qualidade dos serviços - impondo padrão de serviço e obrigações às empresas -, ela defende os interesses do consumidor e aperfeiçoa o funcionamento da economia. A Anatel demorou um tempo interminável, mas acabou permitindo a portabilidade do número do celular. Isso facilita a vida do consumidor. Determinou que o consumidor do pré-pago tem mais tempo para uso do celular; antes ele perdia os créditos. Agora a Anatel se prepara para alguns movimentos importantes, como o do leilão de outorga da terceira geração de celular. Pelo projeto de lei das agências que está no Congresso, elas perdem o direito de outorga, uma de suas principais forças, porque é quando se negociam os contratos. E respeito aos contratos é a principal fonte de atração de investimento hoje. Imagine um investidor do setor elétrico, cujo empreendimento continuará existindo nos próximos 30 anos: ele precisa do conforto de que as regras não vão mudar de 4 em 4 anos. As agências não devem ter ligação com um partido, ou diretor com apadrinhamento político, pois isso fere sua alma. Ela defende interesses difusos, não pode ter lealdades específicas. Sua independência não é em relação ao governo apenas, tem que ser em relação às empresas do mercado. Só assim cumprirão seu papel: regular para a qualidade dos serviços, garantir a competição no setor, criar confiança de que a regulação não vai mudar quando mudar o governo. São regras estáveis que atraem investimentos de longo prazo. Uma idéia muito defendida no governo Lula é que os ministérios fazem a política e as agências são braços operacionais. É verdade em termos. É o governo que decide quebrar o monopólio da Petrobras, mas é a agência que faz os leilões de exploração que vão reduzindo o poder da empresa. Isso também é política. Quando se decide o espectro de freqüência de telefonia móvel, está se estabelecendo uma política também; não é decisão neutra. Haverá decisões complexas a serem tomadas na telefonia: a tendência do mundo é de concentração, mas o Brasil quer - e deve - manter a competição. Como fazer isso? Não pode ser com base numa visão partidária, mas de melhor funcionamento do mercado brasileiro. As agências estão sendo vistas como um modelo único, e hoje os setores a serem regulados têm características muito diferentes. Na telefonia, as empresas são completamente privadas. No petróleo, há uma estatal monopolista em vários setores do mercado. No setor aéreo, uma estatal que administra os aeroportos e um duopólio privado no transporte de passageiros. No setor elétrico, um sistema híbrido, com a distribuição privatizada e a geração pública. No transporte, o governo, em vez de criar uma agência, criou três: uma para as ferrovias, outra para as rodovias, outra para o transporte aquaviário, e isso no mundo da multimodalidade. A ANP, depois de um período de independência, foi hoje loteada e capturada pela Petrobras. A Aneel teve várias de suas funções assumidas pela EPE. O governo Lula faria um enorme favor ao país se, ao menos, estudasse a questão regulatória. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, agosto 01, 2007
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