O Estado de S. Paulo |
1/8/2007 |
Imagine o seu José, caipira dos puros, lá no interior, escutando no rádio essas notícias sobre o recente acidente aéreo. Matuto, pensativo, há dias ele tenta entender o porquê da tragédia. Mas não consegue. Sente-se meio trouxa. Calmo, como sempre, acomoda-se na varanda de sua modesta casa. Olha para o horizonte e refaz o percurso da história. De cara lhe vem à mente a atitude do presidente da República. Bons tempos aqueles em que o líder da Nação era mais rápido. Numa emergência dessas, assim pensa o caipira, Lula poderia demonstrar, com gestos claros, a sua solidariedade para com as pessoas. Mais ainda, deveria tomar providências imediatas, mostrar que manda, botar ordem nessa bagunça. Tudo demorou, porém, para acontecer. O presidente ficou entocado, qual tatu com medo de cachorro. Três dias depois, quando falou, fez um pronunciamento oficial, calculado, no formato quadrado da TV. Distante. Até que, finalmente, o presidente pegou no breu. Convenceu o ex-ministro da Justiça a assumir a briga. Taí um gaúcho marruco, tem certeza o caipira, porque, afinal de contas, ninguém, antes dele, queria descascar o abacaxi aéreo do País. O baiano que lá estava fingia que o assunto não era dele. Um vexame. Vai ver, agora, imaginou, confiante, vem aí um freio de arrumação nisso tudo. Antes disso, na confusão dos aeroportos, seu José havia achado certa graça no conselho da ministra do Turismo. Embora não dependa de avião para nada, volta e meia ele também "relaxa e goza" ao enfrentar as desventuras da lide rural. Assim ocorreu com a ventania que lhe destruiu o paiol. Aprendera no berço que não se encrenca com os desígnios de Deus. E que, depois da tempestade, sempre vem a bonança. Agora percebe, todavia, a sua inocência. Ao contrário dos problemas naturais que ele agüenta na roça, à suposta calmaria aérea se seguiu a catástrofe. Puxa vida, intrigou-se o caipira, por que, ao invés de relaxar, sabendo que a situação corria risco grave, o governo não tomou as medidas concretas para evitar o pior? Concluiu que aquela senhora de salto alto não fez graça nenhuma. No fundo, ela deu um tabefe na cara do povo. Paciência. Os homens do campo se acostumam a ser tolerantes. Afinal, quando semeiam o solo, aguardam meses até a colheita chegar. Conhecem os riscos. Se não chove na hora certa, ou se chove demais na hora errada, a safra se põe a perder. Sofrem com desventuras os agricultores, como assistir a um parto do bezerro natimorto. Entristece a alma. A vida de agricultor exige serenidade, diante do azar da natureza. Mas, no caso desse acidente aéreo, com tantos computadores e radares que envolve, tem certeza o caipira que houve barbeiragem mesmo. No mundo da tecnologia, a temperança estraga, ao invés de consertar. Afrouxou, deu no que deu. Noutro dia, lá no cultivo do milho, encalhou o trator. Uma distração do seu cunhado e a máquina se atolou na lama. O quase-parente assumiu o erro. Os acidentes melhor se explicam quando quem os causa assume sua responsabilidade. Entretanto, o caboclo escuta entrevista daqui, coletiva dali, mas não consegue descobrir o que fazem essa tal de Anac e sua chefia, a Infraero. Ou seria o contrário? Afinal, quem manda nos aeroportos brasileiros? Olhando as imagens na televisão, o caipira pensa que a Infraero é mais poderosa. E correta. Seus chefes, puxa vida, são milicos, brigadeiros, engenheiros, gente graduada, com currículo. Na agência de num sei o quê, descobre ele que os manda-chuvas são políticos de carreira. Um deles, sotaque dos pampas, afirmou que não entende bem de avião, mas é craque no turismo. O caipira escutou, cismou. Achou muito esquisita a afirmação. Já o senhor da Infraero, mais soturno, milico educado, concordou que a segurança tem de vir em primeiro lugar. Antes do supérfluo, o fundamental. O caipira concorda plenamente. Mas, escutando as notícias, ficou ruminando: se o homem acha isso mesmo, por que, quando se reformou o Aeroporto de Congonhas, eles deram prioridade às acomodações e lanchonetes, deixando os regos d"água da pista pra depois? Vá entender. Sua mulher, meio chucra como ele, mas que boba também não é, sugeriu um raciocínio: "Isso tudo é interesse econômico, Zé. A perfumaria custa mais caro que o essencial." O caipira escutou, absorveu, e pensou: "Interesse de empreiteira." No final das contas, as coisas vão-se arrumando. O tempo passa, a memória é curta, a mente esquece. O caipira José respira fundo. Dentre tantas chateações nessas trapalhadas aéreas, difícil mesmo está aceitar aquela comemoração do sujeito flagrado em feliz obscenidade, quando a Nação se consternava. Gesto chulo semelhante, na roça, se utiliza para apoquentar alguém. Ou para sacanear a mulher dos outros. Concluiu: aquele rapaz não presta. Temia, porém, julgar mal um ser humano. A dúvida se desfez quando escutou o repórter lendo a carta de desculpa do assessor presidencial. Acusou de sórdidos seus críticos. Inacreditável. A arrogância do homem decepcionou o caipira. Venha cá, refletiu, você comete um erro daqueles, talvez um momento infeliz, e, em vez de se desculpar, justifica a insanidade? Foi demais. No interior, as pessoas fazem da humildade sua virtude. Gente insolente, como esse barbudo que lembra imperador romano, ninguém respeita. Será que o assessor pensa que todo mundo é trouxa? O caipira calou-se definitivamente. Seu José temeu seu próprio raciocínio. E prometeu jamais subir num avião. Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail: xico@xicograziano.com.br
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Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, agosto 01, 2007
Abacaxi aéreo- Xico Graziano
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