| Míriam Leitão - Nova barreira |
| O Globo |
| 3/2/2006 |
O Mercosul está perdendo importância e se tornando um palco para a retórica kirchner-chaveriana. Isso o transforma numa perda de tempo. União aduaneira, por definição, é uma área na qual as mercadorias transitam com mais liberdade. O Mercosul virou o oposto: é aquela área em que os produtos brasileiros encontram mais barreiras. A aceitação da imposição argentina por salvaguardas pode ser o começo do fim do Mercosul. O projeto de integração com os países da região foi intensificado a partir de meados da década de 90 e graças ao Mercosul. Na verdade, o primeiro impulso tinha sido dado lá atrás com o acordo de Itaipu, que teve o mérito de exorcizar fantasmas que visitavam freqüentemente a relação Brasil-Argentina. O Mercosul teve um crescimento rápido, exibindo a potencialidade das relações entre os países do Cone Sul. Com mais densidade comercial e econômica, o Brasil foi se voltando cada vez mais para os vizinhos. O presidente Lula costuma creditar a si mesmo essa integração regional, provavelmente porque estava muito distraído antes e não viu o forte movimento feito nos anos 90. Os governos deram a partida com decisões, como a que foi tomada no começo da década passada, de comprar petróleo da Venezuela e da Argentina e, depois, decisões privadas de compra e venda deram substância ao acordo negociado pelas instâncias diplomáticas. Não existe relação importante e estratégica que não tenha densidade econômica. Por isso, depois de séculos de distanciamento, os países começaram a se aproximar cada vez mais, puxados pelo comércio. A relação comercial com a Argentina foi aumentando até alcançar um bom patamar em 97 e 98. Aí vieram as crises. Elas derrubaram o volume de comércio e produziram os atritos bilaterais. Depois disso, o volume voltou a crescer e, em 2005, foi o maior dos últimos anos. Porém, desde 2004, o Brasil, que por muito tempo teve déficit no comércio com a Argentina, passou a ter superávit. Foi crescendo o sentimento argentino de que o Mercosul favorece apenas o Brasil, por criar um mercado para os nossos produtos. O Brasil é mais competitivo por vários fatores: tem um mercado maior e mais dinâmico, uma indústria mais forte e fez uma mudança de paradigma a partir da abertura comercial de 90. A Argentina foi extraordinariamente prejudicada pelo plano de conversibilidade. Não foi culpa nossa, mas, sim, escolha deles. Só que isso ajudou a alimentar este sentimento de que estavam sendo prejudicados pelo acordo. O presidente Néstor Kirchner, por temperamento, consolidou o ressentimento. Quando a Argentina propôs a criação de salvaguardas contra produtos brasileiros, pareceu a todos o que de fato é: um absurdo. O projeto era reduzir as barreiras e não aumentá-las; o projeto é criar mecanismos de consulta e não de deliberação unilateral de obstáculos aos produtos. Esta semana, o Brasil acabou aceitando a criação deste Mecanismo de Adaptação Competitiva, o MAC. Com sábios como o assessor internacional Marco Aurélio Garcia, com um ministro das Relações Exteriores que se refere ao presidente Lula como o “nosso guia”, a política externa brasileira tem cometido erros seqüenciais. Este é mais um deles. O Mercosul tem mais de uma década de vida, os países deveriam estar ocupados em derrubar os obstáculos ao comércio regional, mas os dois maiores integrantes estiveram nos últimos dias criando um novo mecanismo de punir as exportações competitivas do Brasil. Para consolar, o ministro Celso Amorim avisa que o mecanismo pode ser ampliado para todos os países do bloco. Só não explicou o que isso tem a ver com livre-comércio. As regras do comércio internacional já contemplam a idéia de salvaguardas e de ação antidumping. O MAC, inventado agora, soma-se às outras, será mais uma camada de proteção para o mercado argentino. Esse mecanismo tem características realmente peculiares. Bastará aos produtores do país importador reunir 35% da produção local do produto supostamente atingido pelas importações. Em economias tão cartelizadas, será fácil atingir o percentual. Esses produtores apresentam a queixa às autoridades do país que, em 15 dias, analisam e decidem pela procedência ou não. Aí convocam consulta entre o setor privado, que deve demorar cinco dias. Os dados considerados serão mantidos em sigilo. Ou seja, o processo será sumário e secreto. Claro, eles terão que comprovar que a importação está causando “dano importante”. Mas, com dados secretos, qualquer um pode provar o que quiser. Além disso, para se concluir que houve aumento de importação, os dados serão comparados com uma base de 36 meses. Essa base pega o ano de 2003, quando as importações argentinas estavam lá embaixo. Isso que o jornal “Valor” chamou de “pegadinhas” torna a aplicação do mecanismo inventado agora um terreno pantanoso para o exportador brasileiro. A Argentina está aumentando barreiras ao comércio com o Brasil — com o apoio da nossa diplomacia — no momento em que está vivendo um período de otimismo e com taxas de crescimento econômico maiores do que as nossas. Mas a Argentina tem problemas à frente. A inflação subiu muito e voltou a dois dígitos, as tarifas estão controladas a preços irreais desde que foram pesificadas durante o colapso da conversibilidade e os investimentos têm sido suspensos. Preços artificiais, investimento em queda e inflação subindo são sombras preocupantes sobre o futuro de qualquer economia. Se a Argentina se protege agora que está bem, imagina, no futuro, quando entrar em alguma zona de turbulência. |
Entrevista:O Estado inteligente
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