Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 28, 2006

Luiz Garcia Magra terça-feira

O GLOBO

Bom assunto para terça-feira de carnaval é Rubem Braga. Logo se dirá por quê — e, dependendo da boa vontade dos amigos, pode colar ou não.

Rubem era um dos que, na década de 50 e nas seguintes, tinham o ofício de cronista de jornal. Ele, Carlos Drummond, Antônio Maria, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, depois José Carlos de Oliveira. Millôr ainda se concentrava nas páginas de humor de “O Cruzeiro”, e me perdoe quem esqueci.

Cronistas falavam sobre o que lhes dava na telha: amor, costumes, farsantes, mulheres — muitas e lindas (as feias que aceitassem as desculpas do Vinicius) — mas o carnaval não era, com exceções que não recordo, a praia da maioria. Especialmente do Braga.

Por que lembrá-lo exatamente hoje? Ora, porque ele inventou a crônica da falta de assunto. Encarava a página em branco (para os mais novos, página é o que hoje chamamos de tela) e partia cavalgando em todas as direções, aparentemente sem rumo nem propósito. Mas sempre chegava ao fim do espaço determinado, com arte e graça.

Pois aqui estou, escrevendo para a Terça-Feira Gorda (assim a chamavam) em busca de uma fuga não muito desafinada à data magna da alegria carioca. E só me ocorre lembrar o Rubem, amigo de meu pai, mestre de, quando necessário, escrever sobre coisa nenhuma — e fazê-lo com a boa mecânica das palavras e a bela arte das emoções de um grande humorista triste.

Para encher lingüiça, uma historinha: Rubem tinha má dicção, no que se parecia com o Castelinho (o Castelo Branco que durante anos foi o maior nome da crônica política nacional). Ambos falavam mais para dentro do que para fora. Um dia, garoto ainda, vi-os num jantar, sentados a metros de distância um do outro: dialogaram horas, e quase ninguém entendia patavina. Certamente disseram coisas de alta relevância — mas, para a platéia hipnotizada, era como se fosse uma conversa de fanhos (suponho que não seja politicamente incorreto, mas sempre ouvi dizer que só fanho entende fanho; com a voz enrolada e para dentro dos dois jornalistas, decerto era igual).

A sala toda perdeu uma conversa arguta e espirituosa, mas todos a acompanharam fascinados. Depois, um e outro alegaram que tinham pescado tudo. Mentira: poderia ter sido ali revelada e confirmada a verdadeira razão da renúncia de Jânio Quadros (de quem Castelinho fora secretário e Rubem embaixador em Marrocos) e ninguém pescou uma traíra que fosse.

Enfim, Rubem — e os outros daquele tempo, qualquer um escolha seu preferido — foi mestre daquilo que naquele tempo tinha o nome de crônica (sem mais nada: crônica social já era outra história). Hoje, tudo é artigo. Muitas vezes, envergonhados pastiches da arte de escrever sem assunto.

Como o presente texto.

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