Gabriel Palma, economista da Universidade de Cambridge
Mariana Barbosa
Para o economista chileno Gabriel Palma, professor da Universidade de Cambridge, o Brasil só conseguirá romper com a estagnação econômica quando encontrar seu espaço no mundo globalizado. Para isso, antes será preciso romper com o que ele chama de machomonetarismo, uma política de juros altos "hiperativa e quase histérica". A seguir, trechos da entrevista, concedida ao Estado por telefone, de sua casa no interior da Inglaterra
Por que o PIB do Brasil teve desempenho tão tímido (2,3%) em 2005, um ano favorável do ponto de vista externo?
As contas externas estão ordenadas, as commodities em alta, tudo está favorável, mas o País não cresce por conta de uma combinação de juros altos, câmbio valorizado e política fiscal absurda. O crescimento que houve é quase inteiramente explicado pela exportação de commodities. Só que o PIB está estagnado há 25 anos. Entre 1950 e 1980, o Brasil tinha a 8ª maior taxa de crescimento do mundo. De lá para cá, caiu para a 80ª colocação. É uma das mais rápidas desacelerações do mundo.
O que explica isso?
Os países que fizeram reformas neoliberais de forma rápida e fundamentalista, como os da América Latina e do Leste Europeu, são os que mais sofrem com as conseqüências danosas da globalização. A Índia cresce de 6% a 7% ao ano há 25 anos, quando começou a fazer uma reforma econômica financeira e comercial - que ainda não acabou. É preciso dar tempo aos agentes internos para que eles possam se ajustar.
E por que o Brasil tem o pior desempenho desse grupo?
Porque seguiu o receituário ainda mais radicalmente. O Brasil adota uma política machomonetarista. Havia, no início dos anos 90, um consenso de que política monetária tinha de ser ativa, drástica. E o Brasil multiplicou isso por dez, com uma política hiperativa e quase histérica. Com a crise mexicana em 1994, Franco (Gustavo, então presidente do BC) subiu o juros em 20 pontos. Poderia ter subido 4 pontos. Não há justificativa para se ter juros tão altos como no Brasil. É extorsão. Al Capone ficaria orgulhoso. Mas o macho procura dar confiança ao mercado por quantidade, não pela qualidade da política monetária. A despeito dos juros altos e do câmbio, o governo Lula adotou políticas protecionistas para alguns setores da economia, como a indústria naval. O resultado não tem sido muito satisfatório.
Como proteger a indústria nacional sem produzir ineficiência?
Antes de poder ter uma política industrial efetiva, tem de ter uma política monetária, de câmbio e de gasto público desenvolvimentista. Com os juros mais altos do mundo e o câmbio tão desfavorável, ajudar a construir um barco é como arar no mar. O que a indústria brasileira necessita não é de nacionalismo barato. É preciso uma política econômica estável, previsível, com juros e câmbio racionais. Nenhum país asiático deixaria a moeda se valorizar assim.
O que pode ser feito para segurar o câmbio?
Tem de haver uma política intervencionista, de aumento de reservas com esterilização monetária. O BC pode comprar os dólares e retirar o excesso de liquidez interna vendendo bônus. Na Ásia se faz isso, mas o juro não passa de 5%. No Brasil fazer isso sai muito caro. O ministro da Fazenda Antonio Palocci fala em abrir as fronteiras da importação. O mandamento número 1 do neoliberalismo primitivo é que todos os problemas criados pelo neoliberalismo só podem ser sanados com mais reformas neoliberais. Na tentativa de passar a imagem de uma esquerda pragmática e eficiente, o PT se converteu, tal qual um cristão novo, ao neoliberalismo original, dos anos 70, e não ao moderno, mais sofisticado dos anos 2000.
O Brasil sofre hoje da chamada doença holandesa (quando o câmbio valorizado torna proibitiva a produção industrial)?
O câmbio e os juros estão massacrando a indústria brasileira e qualquer possibilidade de crescimento sustentado. Até os anos 80, a manufatura representava um terço do PIB. Hoje não chega a 20%. A doença está acelerada. O Brasil exibe uma taxa de desindustrialização de uma Suíça. Uma coisa é a desindustrialização natural dos países mais ricos, que ocorre quando se chega a uma renda per capta de pelo menos US$ 20 mil. Outra é um país médio fazer isso de forma prematura, como Brasil, Argentina e Uruguai.
Que política industrial seria boa para o Brasil?
O básico de uma política industrial é pensar no longo prazo. Uma característica da globalização é que só tem êxito quem encontra um nicho. A China resolveu ser a fábrica do mundo, a Índia quer ser o escritório (produzindo softwares). O Brasil ainda não encontrou seu espaço.
E qual seria o diferencial brasileiro?
O mais óbvio é o Brasil se tornar o maior processador mundial de commodities, de minérios e de produtos agrícolas. Em vez de exportar ferro, exportar aço.