Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 28, 2006

Miriam Leitão Usinas amazônicas

O GLOBO

A Odebrecht já gastou R$ 50 milhões no projeto que ainda nem saiu do papel e que certamente enfrentará muita polêmica: a construção de duas — talvez quatro — hidrelétricas no Rio Madeira. Furnas também investiu um valor dessa ordem. A Odebrecht acha que este é o melhor aproveitamento hídrico disponível no Brasil hoje e que será inevitável o país construir hidrelétricas na Amazônia.

Numa conversa de mais de duas horas com diretores da empreiteira, eles explicaram o projeto à coluna. Muitas dúvidas continuam. A principal: a linha de transmissão terá que ser enorme, de 1.500 quilômetros. Quanto custará? Eles não sabem dizer até porque isso depende de decisões técnicas do governo — serão 50 ou 60 ciclos? Será corrente contínua ou alternada? O fato é que ainda não se sabe. Sem a linha de transmissão, é um elefante branco no meio da floresta.

Odebrecht e Furnas estão desenhando este projeto desde 2001. Mas ele só começará a existir mesmo quando o governo licitar as hidrelétricas. Por enquanto, a licitação depende da licença ambiental prévia, que ainda não saiu.

A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, fez recentemente uma reunião com vários órgãos do governo determinando que a prioridade na área hidrelétrica são as usinas do rio Madeira. O governo quer licitá-las ainda neste primeiro semestre.

Mesmo antes da licitação, o grupo com maior chance é quem está estudando o assunto há mais tempo e fez o projeto macro, o inventário do rio e o estudo de viabilidade. Portanto, o consórcio Odebrecht-Furnas sai na frente num projeto que pode custar R$ 20 bilhões, sem falar nas linhas de transmissão, que são um negócio à parte.

O que os diretores da empresa disseram é que nunca foi feito um estudo tão detalhado da questão ambiental e que, na preparação do levantamento, várias instituições públicas e privadas foram chamadas para ajudar a pensar os possíveis riscos de construção de hidrelétricas na Amazônia.

— Fomos até à WWF e, quando chegamos, perguntaram o que nós tínhamos ido fazer lá. Dissemos que este é o momento de influenciar no projeto e não depois, quando está pronto — disse o diretor de Relações Institucionais, Roberto Dias.

— Fui em reuniões de que pensava que não sairia vivo, porque só tinha ambientalista, que não gosta nem de ouvir falar de construtor de hidrelétrica — conta o diretor de contrato, José Bonifácio Pinto Junior.

As turbinas usadas serão as bulbo, que reduzem, em muito, o tamanho da área alagada. Para se ter uma idéia, a hidrelétrica de Balbina, a maior violência ambiental já cometida no país em termos de área alagada, produz 250 megawatts num lago de 2,4 mil km². As hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau alagarão, respectivamente, 271 km² e 258 km², produzindo 3,5 mil MW e 3,9 mil MW.

O rio Madeira tem pouca queda, quase nenhuma. A barragem de Itaipu tem 120 metros; Tucuruí, 80 metros; a maior do país, feita pela Odebrecht, é Irapé, com 208 metros. No rio Madeira, a queda é de 16 metros. A tecnologia dessas turbinas foi usada pela Áustria em nove usinas no rio Danúbio e pela França, em 19 usinas no rio Rhône.

A idéia do consórcio Odebrecht-Furnas é fazer inicialmente as duas maiores, Jirau e Santo Antonio; depois, uma outra na Bolívia, a Esperanza, e uma binacional, em Guajará-Mirim.

A coluna ouviu outros especialistas no setor que apontaram um problema: existe neste projeto um conflito de interesses por estar sendo desenvolvido por uma empreiteira e um gerador. Por natureza, a empreiteira quer elevar o preço; por natureza, o gerador quer o menor custo.

— Existe este conflito de interesses, mas, no nosso caso, ele é aparente. Temos experiência em estar nas duas pontas de uma obra: como construtores e como acionistas do negócio em si. Foi o que fizemos por um tempo na ponte Vasco da Gama, em Lisboa, entre outras — disse o diretor-superintendente da Odebrecht, Henrique Valladares.

A Odebrecht tem 80% de seus projetos no exterior.

— No Brasil, continuamos tendo a mesma participação no mercado, mas aqui o mercado de obras é que diminuiu pela queda dos investimentos — comenta Valladares.

Uma das maiores preocupações em projetos na Amazônia é, naturalmente, a ambiental.

Sérgio França Leão é o responsável por uma área chamada “Programa Segurança e Saúde do Trabalho e Meio Ambiente”. Ele acha que não há como o Brasil abrir mão do potencial da Região Amazônica. Defende a tese de que, a partir do projeto, o meio ambiente estará mais protegido. Tese difícil de aceitar. Uma parte do argumento faz sentido:

— Hoje aquela região já está dentro da área da devastação. Nos quatro anos em que estamos estudando o projeto, vimos o avanço do desmatamento. Não é a hidrelétrica que vai provocar o desmatamento. Ela é uma oportunidade de se concentrarem recursos na preservação. Mas tudo isso depende de haver uma política de governo.

Há população ribeirinha, umas 500 famílias, que terão que ser removidas, mas a empresa garante que nem as hidrelétricas, nem a linha de transmissão invadirá área indígena.

Por outro lado, do ponto de vista logístico, quando tiver tudo pronto, haverá uma outra saída para o Pacífico, passando pela Bolívia e indo até os portos de Ilo e Matarani no Peru. Isso evita o Canal do Panamá e encurta o caminho para a China.

A Odebrecht apura os argumentos porque sabe que terá uma batalha pela frente para convencer a opinião pública de que a obra é necessária e foi projetada para reduzir o impacto ambiental. Tem contra si um problema: ano eleitoral é o pior momento para se lançar uma obra que custa, antes da partida, R$ 20 bilhões.

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