o globo
Embora a possibilidade de realização de prévias para escolha do candidato à Presidência tenha sido admitida ontem pelo presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati, é improvável que elas venham a acontecer, muito pela falta de tradição tucana de resolver suas pendências consultando as bases partidárias, mas também pela inexistência de tempo para se organizar tal tipo de plebiscito interno.
Tomada a decisão da prévia, uma nova discussão tomaria conta do cenário: qual a abrangência do colegiado? A contrapartida para a admissão das prévias, que soou como uma vitória política do governador de São Paulo, foi a garantia de Alckmin de que não levará adiante a ameaça de não aceitar uma decisão partidária que lhe seja desfavorável.
Houve momentos no almoço de ontem do triunvirato tucano — o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o senador Tasso Jereissati e o governador Aécio Neves — em que ficou registrado o desagrado com algumas atitudes do grupo de Alckmin, como a crítica do secretário Gabriel Chalita à autoridade dos três para decidir pelo partido. Ou a ampliação da repercussão do jantar com o prefeito José Serra no restaurante Massimo, em São Paulo, como se o governador houvesse sido relegado a um segundo plano.
O presidente do partido se encarregou de lembrar a Alckmin que o primeiro encontro seria com ele, e foi cancelado devido à sua agenda. Mas o tom geral do encontro foi animador, e já existe a sensação de que será possível haver uma decisão por volta da primeira quinzena de março. Caso Alckmin venha a ser o nome escolhido, esse processo tumultuado dos tucanos terá servido, mesmo sem querer, para redesenhar seu perfil político, o que será benéfico para uma eventual campanha eleitoral.
O governador paulista começou a disputa como o candidato natural diante do favoritismo aparentemente insuperável do presidente Lula. Uma piada que corre há tempos entre os tucanos diz que se Lula estivesse muito fraco para a sucessão, o nome mais provável do PSDB seria o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Se estivesse em situação razoável, o candidato seria o prefeito de São Paulo José Serra. E se estivesse muito forte, o candidato natural seria o governador Geraldo Alckmin, para perder.
A deterioração da imagem do presidente Lula durante os primeiros meses da crise de corrupção de seu governo fez com que o nome do prefeito José Serra surgisse nas pesquisas de opinião como o tucano capaz de derrotá-lo, e a possibilidade de vitória tirou de Alckmin a atribuição de “candidato natural”.
A situação se inverteu novamente com a recuperação, até certo ponto surpreendente, de Lula. Os tucanos, que chegaram a pensar que Lula perderia para qualquer um dos possíveis candidatos, passaram a se debater entre a dúvida de lançar Serra, que aparece com um apoio mais consistente ao longo de uma série de pesquisas de opinião, ou apoiar o governador Geraldo Alckmin, que vem demonstrando uma persistência na busca de seu objetivo desconhecida para a maioria.
O candidato que seria escolhido para perder está se transformando no guerreiro que enfrenta a cúpula partidária e se impõe, organizando apoios políticos e tecendo alianças. A imagem do político obstinado e confiante tomou lugar do “picolé de chuchu”, definição do político sem personalidade, sem carisma. O governador Alckmin está conseguindo convencer a cúpula partidária de que é melhor garantir a presença do PSDB na prefeitura de São Paulo, e armar um forte esquema político para eleger o próximo governador, coisa que juntos, ele e Serra, com o prestígio dos dois no Estado, têm chance de fazer.
Quem for o preterido dos dois terá o poder de indicar o candidato ao governo de São Paulo, fortalecendo seu grupo político dentro do partido. É provável que vejamos nos próximos dias o governador Geraldo Alckmin refreando seus correligionários, para desmontar o clima de enfrentamento. Serra continua sendo o candidato mais competitivo dos tucanos para derrotar Lula, e por isso é o preferido do PFL, aliado na formação da chapa presidencial.
Se resolver não formalizar sua candidatura, será para não dividir o partido, pensando na melhor estratégia de longo prazo para o partido e para sua carreira política. Sua decisão representará um sacrifício pessoal em qualquer hipótese: se for o escolhido, estará abrindo mão de um mandato que está sendo bem avaliado na Prefeitura paulistana, e pode arriscar seu futuro político com uma segunda derrota para Lula; se decidir não se apresentar oficialmente, será para não aprofundar uma divergência partidária.
O fato é que os dois pré-candidatos estão cegos diante das possibilidades do outro. Serra não consegue ver em Alckmin um adversário, não acredita que o governador seja capaz de ir às últimas conseqüências para conseguir ser indicado, contra a orientação da cúpula partidária e do que mostram as pesquisas de opinião. Já o governador de São Paulo não acredita que Serra aceite o desafio de “bater chapa” com ele em uma convenção, e está convencido de que, na data fatal, Serra não confirmará sua candidatura.
A “Santíssima Trindade” da cúpula tucana tenta abrir os olhos dos dois e superar essa divergência, antes que ela se torne uma crise que inviabilize a candidatura, seja ela de quem for. A única combinação aceitável é que nenhum dos dois saia derrotado da disputa. Por isso não haverá prévia, nem há candidato com privilégios sobre o outro. Além das pesquisas, e da capacidade de agregar apoios políticos, um outro critério vai ter peso importante na decisão: o futuro do PSDB no quadro nacional a partir de seu peso político em São Paulo, onde está enraizado o maior adversário, o PT.