O GLOBO
Um executivo brasileiro que sempre foi cercado de prestígio no mundo dos negócios é Rinaldo Campos Soares. Era avesso à imprensa e agora ficou mais. No ano passado, teve que cumprir o desconfortável dever de procurar, um por um, os maiores acionistas da Usiminas para tentar explicar como a companhia tinha sido apanhada pagando a um político através da empresa de publicidade.
O caso parece pequeno perto do mar de corrupção que o país viu, mas é representativo do trabalho da CPI dos Correios. Este episódio mostra que falharam o auditor da empresa, os sócios e a CVM. À imprensa, a empresa nada explicou, mas aos sócios, entre eles a Vale do Rio Doce, disse que o pagamento ao deputado Roberto Brant através da agência de publicidade foi um caso isolado. A CPI encontrou mais dois casos: Romeu Queiroz e João Magno.
Accountability é um nome sem tradução exata para o português. Quer dizer prestação de contas, confiança, transparência dos dados de uma empresa. O dinheiro da Usiminas que passou pelo valerioduto pode ser pequeno, mas é uma exibição eloqüente de falta de accountability.
A CPI dos Correios está chegando ao fim e já se afirma que ela “não vai dar em nada”. O que será não dar em nada? A CPI é uma CPI. Não julga, não prende, não é a última palavra. Ela investiga, faz o relatório e manda a denúncia para o Ministério Público. A CPMI dos Correios já tem um balanço positivo. Ela mostrou falhas nos sistemas de vigilância pública e privada.
— Vamos sugerir vários aperfeiçoamentos institucionais. Esta será uma CPI propositiva — diz o presidente da Comissão Parlamentar, senador Delcídio Amaral.
Uma proposta, adiantada pelo relator Osmar Serraglio, é de dar mais poderes e mais instrumentos ao Coaf.
— Hoje o Coaf é um depósito. Os bancos mandam para lá as informações sobre movimentações suspeitas e eles não têm poder de investigar. São apenas trinta e poucas pessoas olhando papel e mandando para o Ministério Público e o Banco Central — diz o relator.
O Coaf é um órgão que nasceu há pouco tempo e este primeiro teste mostrou que ele é fundamental e precisa de mais poderes e meios. Descobriu-se que muitos bancos não informaram ao Coaf o que tinham obrigação de informar.
A CPI começou investigando uma propina de R$ 3.000 nos Correios. Analisou 54 contratos nos Correios e, em 25, havia vícios.
— A gente nem conseguia avançar. Abria um contrato e encontrava um erro.
O trabalho de verificar contratos deveria ser rotina da Controladoria da União. A CPI descobriu que em todos os contratos de publicidade são feitos aditivos aumentando os preços. Vai sugerir medidas para evitar isso. Descobriu que o Banco do Brasil usava uma empresa que tem sociedade com bancos privados, a Visanet, para alimentar o valerioduto. O principal trabalho foi revelar a existência do maior canal de corrupção já descoberto e avançar na busca das fontes que alimentavam esse canal.
— Seguimos as pistas. Uma delas mostrou que, através da Visanet, o Banco do Brasil pagava a Marcos Valério por uma campanha ainda não feita e esse dinheiro acabou sendo usado para comprar CDBs do BMG e do Banco Rural, de onde saíram os empréstimos para o partido e o dinheiro distribuído aos políticos — conta o senador Delcídio Amaral.
A CPI dos Correios terá agora acesso aos dados das contas do publicitário Duda Mendonça no exterior. O fato mostra novas falhas de órgãos e instâncias fiscalizatórias.
A Receita Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, juntos, não conseguiram saber que o PT tinha formado um caixa dois e que distribuíra dinheiro aos partidos da base aliada. O Banco Central não soube que parte do pagamento do PT ao seu publicitário foi feito em contas no exterior. Nem viu todas as operações bancárias estranhas feitas no BMG e no Banco Rural, esse último notório reincidente em operações estranhas.
As informações que o Brasil passou a deter nos últimos meses não foram divulgadas pelos vários órgãos de fiscalização, porque as CPIs arrancaram esses dados nos depoimentos ou no cruzamento das informações pedidas aos órgãos que os detinham. O trabalho mais sério foi feito pela CPMI dos Correios. A dos Bingos foi uma CPI tardia, impedida de ser instalada no momento certo, e ficou atirando a esmo no entorno do fato determinado. O Conselho de Ética é errático e contraditório. A CPI da compra de votos não chegou a nada, nem poderia. Foi montada numa manobra do governo para esvaziar a CPI dos Correios. Mas seu destino foi selado no primeiro depoimento de Marcos Valério, quando ele teve que explicar o fato de ter dinheiro dele na conta do filho do relator Ibrahim Abi-Ackel.
A Petrobras contratou Duda Mendonça para fazer a propaganda da auto-suficiência, um gordo contrato de R$ 37 milhões. O Banco do Brasil não explicou os vários casos de promiscuidade entre a empresa e o partido do governo. Marcos Valério não passou nem um minuto na prisão, mesmo quando era preciso para evitar a destruição de provas. Duda Mendonça, apesar de ter confessado sonegação fiscal, caixa dois, remessa ilegal de dólares ao exterior, só recentemente foi indiciado pela Polícia Federal.
Enfim, o Estado brasileiro tem vários órgãos de fiscalização e eles falharam. A CPI dos Correios vai pedir o indiciamento de muita gente, mas seu maior saldo talvez seja o de mostrar de que forma governo, sociedade e mercado podem aperfeiçoar seus sistemas de controle e prevenção de corrupção. Segundo Delcídio, a CPI analisou experiências de outros países e, por isso, fará sugestões concretas de combate à corrupção.