editorial |
O Estado de S. Paulo |
24/2/2006 |
Os agricultores brasileiros enfrentam uma das crises mais graves dos últimos 20 anos, acossados por preços baixos, custos altos e dólar muito barato, que reduz severamente seu poder de competição. Muitos não vão ganhar o suficiente para pagar as contas, com as cotações atuais, e terão de entregar tratores e colheitadeiras, se os credores quiserem ficar com máquinas. Mas ainda poderiam agradecer aos fados, se os seus problemas fossem apenas econômicos. São também políticos, porque o agronegócio brasileiro, respeitado em todo o mundo por seu poder de competição, tem no governo federal inimigos mais perigosos que os protecionistas da Europa e dos Estados Unidos. O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, tem de atuar em duas frentes para impedir um desastre maior na agropecuária nacional. De um lado, tem de convencer os controladores do dinheiro - a usurária área financeira do governo - da gravidade da situação e dos perigos de um socorro insuficiente e tardio. De outro, tem de enfrentar uma nova onda de ataques ao agronegócio, desfechados por ministros com a complacência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na frente econômica, o ministro Roberto Rodrigues tem de mostrar aos controladores das finanças que há uma crise real na agricultura. O adjetivo seria redundante, noutras condições, mas ele o usou, numa entrevista ao jornalista Rolf Kuntz publicada na quarta-feira no Estado, para dar força a um discurso que tem tido pouca ressonância no governo. Rodrigues defendeu medidas urgentes para sustentação de preços, na fase da colheita, e para alívio financeiro dos produtores em pior situação. Propôs a prorrogação de vencimentos de compromissos bancários, por tempo limitado e com base num exame caso a caso. Insistiu na expressão "caso a caso", para deixar claro que não está defendendo os maus pagadores nem propondo um amplo calote. Ao contrário: se agisse na hora certa, o governo evitaria o risco de projetos custosos e injustos, como o que foi aprovado pelo Congresso, há dias, para renegociação das dívidas de agricultores nordestinos. Rodrigues propôs também uma MP do Bem para a agricultura, inspirado nos pacotes de bondades que o governo tem oferecido à indústria. A ajuda ao setor industrial é em geral correta e até insuficiente. Mas a agricultura tem recebido muito menos apoio, embora o governo saiba explorar muito bem os resultados positivos do agronegócio. O setor proporciona a maior parte do superávit comercial, que o governo proclama para mostrar como diminuiu a vulnerabilidade brasileira. Além disso, seus ganhos de eficiência permitiram reduzir o custo da alimentação, com benefício para milhões de consumidores pobres, que passaram a dispor de mais dinheiro para outras despesas. Na frente política, os inimigos do agronegócio dentro do governo poderão pôr em xeque o grande esforço de modernização realizado pelo setor em mais de duas décadas. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, é um dos que parecem ter jurado de morte a agricultura moderna e eficiente, que inclui produtores grandes, médios e pequenos. O que os diferencia da agricultura atrasada não é o tamanho, mas a competência. O ministro Rossetto defende uma revisão dos índices mínimos de produtividade que serviam, tradicionalmente, para indicar as propriedades passíveis de desapropriação para reforma agrária. É um compromisso com o passado, não com o futuro. A produtividade, lembra Rodrigues, é imposta pela concorrência internacional, numa economia aberta. Ir contra isso é criar ambiente para confusão e insegurança. Enquanto isso, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, também toma posição contra o agronegócio brasileiro, ao defender a imposição de maiores custos e maiores entraves burocráticos a exportadores de cargas que possam conter organismos vivos modificados, como sementes. Esse vai ser um dos assuntos mais polêmicos da próxima reunião, em março, dos participantes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança. Argentina e Estados Unidos, importantes competidores do Brasil, não aderiram a esse acordo. Serão os principais beneficiários da alteração do texto do protocolo, se a ministra Marina Silva, aliada a ONGs internacionais e favorecendo interesses de competidores, tiver o apoio do presidente Lula. |
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, fevereiro 24, 2006
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