Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 25, 2006

Chega de bobagem REINALDO AZEVEDO

O GLOBO






Sei
que jornalismo é feito para ser esquecido, e esta é uma das nossas
maldições — nossas, digo, dos jornalistas. Vivemos numa espécie de
presente eterno, o que abre o flanco para a canalhice intelectual. É
como se Lula fosse o santo padroeiro da categoria: pouco importa que
nossas juras, promessas e predições se esfumem. Sempre há papel novo —
e, agora, com os meios eletrônicos, nem isso — para reparar o escrito,
até que o reparo fique pelo não-dito. E assim vamos. Tenho algumas
ambições mesmo sendo jornalista: podem me esfregar na fuça o que
escrevo. Sou um homem antigo.



No dia 3 de dezembro, neste espaço, fiz uma ironia com os
tucanos. Consultem o arquivo: “O PSDB deve ser o único partido do mundo
em que um candidato favorito não é favorecido pelo favoritismo — se me
permitem a lambança tautológica”. Observava então o desconforto de
setores do tucanato com a liderança de José Serra: no Datafolha, chegou
a ter 13 pontos à frente no segundo turno. Escrevi: “Satisfação nas
hostes tucanas? Há os que se mostram inquietos (...). Pergunta: caso
Serra deixe de ser o mais bem colocado, suas chances aumentam?” A
indagação era absurda, mas refletia aquela lógica perturbada. Hoje,
Serra está atrás. E suas chances de ser candidato aumentaram. Os
tucanos provam que a dialética é mesmo uma superstição hegeliana...



O propósito daquele texto era alertar para a besteira que
setores do PSDB vinham fazendo — ou parte considerável dele — ao tentar
desqualificar a liderança de um dos seus. O resultado está aí.
Passaram-se três meses, e, segundo o mesmo instituto, Serra está cinco
pontos atrás de Lula no segundo turno. No caso de Alckmin, depois de
ter chegado a um empate técnico, a diferença a favor do petista é de 18
pontos. No primeiro turno, o governador de São Paulo, que chegou a ter
20%, está com 17%.



É claro que o que se tem aí não é definitivo. Esses três
meses provam que não. Mas cumpre aos tucanos, evidentemente, menos
lastimar as escolhas volúveis do “povo” do que reconhecer seus próprios
erros. É absolutamente compreensível que Lula tenha se recuperado entre
os mais pobres e com menos instrução. Não porque ele tenha a
representação natural dessa gente — ele se sai melhor como procurador
dos bancos —- mas porque seu esmolário, de óbvio apelo eleitoral,
começou a funcionar. Era fatal. Como explicar, no entanto, a sua
ascensão entre os de maior renda e escolaridade — e, pois, mais
informação?



Se os muito pobres reagem ao salário mínimo e são mais
permeáveis à onipresença de Lula na mídia, da outra categoria nem mesmo
se pode dizer que vota com o bolso. Quase morro de tédio quando leio
analistas apontando que a estabilidade da economia ajuda o presidente.
Pode até ser. Mas nada de extraordinário aconteceu para a classe média
nestes três meses. O que parece é que parcela desse eleitorado decidiu
protestar — vejam vocês! — contra uma espécie de minueto que as
oposições passaram a dançar com o governo.



E é bom colocar em tal conta os esforços de PSDB e PFL
para salvar seus próprios pares da degola. Mais: Serra, feito candidato
natural pelo eleitorado, passou a sofrer ataques especulativos severos
em suas próprias hostes. Percepção provável do eleitor: “Nem eles se
entendem”. Ou, pior: “Eles só se entendem para bater em Lula. Por que
querem tanto o seu lugar?” Somem-se a isso o esfriamento do noticiário
da CPI (aliado a certo cansaço) e o desgaste da convocação
extraordinária no Congresso. Aquilo tudo deu nisso.



Mas vamos lá. Ainda dá tempo de bater Lula nas urnas? É
claro. Das bobagens na economia ao lamaçal ético, há muito a ser
explorado por uma campanha competente. Com Serra, é óbvio, se ele topar
o desafio depois de tudo. Mas os tucanos precisam pôr fim às
barbeiragens. Também os nossos ditos “liberais” têm de parar de se
comportar como Cícero, o republicano radical. Tinha tanto medo de que
César desse fim à República que acabou aliado de Otávio, enfim o
primeiro imperador. Pior: morreu sem ver isso acontecer. O exemplo é
antigo. Sou um homem antigo.



REINALDO AZEVEDO é jornalista. E-mail: mahfud@uol.com.br

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