Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Chega de ressentimento - João Mellão Neto



O Estado de S. Paulo
24/2/2006

A renda per capita nos Estados Unidos e na Europa Ocidental é de US$ 30 mil. Em países intermediários, como o Brasil, ela é de US$ 3,5 mil. Na África ao sul do Saara, ela não passa, em média de US$ 1,5 mil.

Para quem se depara com esses números sem atentar para a evolução histórica, salta aos olhos a imensa disparidade de riqueza entre as nações. No chamado Primeiro Mundo, os cidadãos são 20 vezes mais ricos do que nos países pobres.

Nos meus tempos de universitário, quase todos os professores nos diziam que os países ricos se tornaram ricos porque exploraram impiedosamente os países pobres, que assim se tornaram ainda mais pobres. Até hoje os intelectuais de esquerda sonham com um imaginário mundo pré-industrial e pré-capitalista onde todas as nações seriam igualmente ricas e sem diferenças abissais de rendimentos. Eles estão parcialmente certos. Realmente, antes da Revolução Industrial, não havia grandes disparidades de renda. O que eles não contam - talvez porque de fato não saibam - é que, no mundo pré-capitalista, todos eram iguais, mas na miséria.

Angus Maddison, um dos melhores historiadores econômicos atuais, que trabalha associado à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), resolveu tirar a teima. Numa exaustiva pesquisa histórica, ele voltou ao passado, levantou todos os dados econômicos disponíveis, atualizou-os para o valor (poder de compra) do dólar de 1990 e refez novamente as estatísticas. O resultado foi bombástico. Em 2001 Maddison lançou um livro (The World Economy: A Millennial Perspective) que rapidamente se tornou um best seller e gerou várias controvérsias.

Sua conclusão é de que, em 1820, nos primórdios da Revolução Industrial, todas as regiões do mundo eram extremamente pobres. O país mais rico de então, a Inglaterra, em valores de 1990, tinha uma renda per capita de apenas US$ 1,6 mil - o que garantia ao seu povo um padrão de vida semelhante ao dos países mais pobres da atualidade. Estes, por sua vez, possuíam uma renda média anual de cerca de US$ 400, apenas um quarto da renda inglesa, porém muito menos desigual do que é hoje.

O ano de 1820 como ponto de partida para o levantamento não foi escolhido por acaso. Foi por volta dessa época que a industrialização começou a mudar a face do planeta. Até então, desde os primórdios da civilização, pouco ou nada havia ocorrido em termos de progresso econômico para a humanidade. Segundo as palavras de lord Keynes, "alguns períodos foram talvez 50% melhores do que outros, no máximo 100% melhores do que outros, nos 4 mil anos que terminaram em 1800 d.C".

Tudo haveria de mudar a partir de então. A Inglaterra foi o primeiro país a se industrializar. Em seguida, toda a Europa Ocidental e os Estados Unidos. Na etapa seguinte, em maior ou menor grau, quase todo o planeta viria a beneficiar-se do extraordinário progresso obtido a partir do advento da indústria.

No que diz respeito a Maddison, o grande mérito do seu trabalho foi desmistificar a tão repisada tese de que os ricos ficaram ricos unicamente porque exploraram os pobres.

Segundo ele provou, com suas estatísticas:

Todos os países eram igualmente pobres em 1820;

Todos os países, de 1820 para cá, conseguiram ter ganhos econômicos;

Os países ricos de hoje são ricos porque o seu progresso econômico foi extraordinariamente maior do que o dos países atualmente pobres.

A economia mundial não é um jogo de soma zero, no qual, para alguns ganharem, outros têm de perder na mesma proporção. O produto mundial bruto, de 1820 até 2000, aumentou quase 50 vezes. Não houve transferência de renda de um país para outro. O que ocorreu, isto sim, é que alguns progrediram com muito mais rapidez do que outros. Enquanto na África meridional a renda per capita (sempre em valores de 1990) cresceu apenas 4 vezes - de US$ 400 para US$ 1.500, nos Estados Unidos e na Europa essa mesma renda se multiplicou 25 vezes.

Há inúmeros fatores, sociais, culturais, geográficos, climáticos e econômicos para explicar essa disparidade. O que não cabe, aqui, é a surrada justificativa de que, se nós somos pobres, a culpa é dos ricos que nos despojaram de nossas riquezas.

Os países ricos enriqueceram por si sós. Não precisaram explorar os pobres para chegar aonde estão. Eles souberam aproveitar-se da vertiginosa onda da industrialização e se desenvolveram. Outros não souberam fazê-lo na mesma medida e progrediram muito pouco.

Os meus antigos professores que me perdoem, mas o velho discurso do ressentimento não faz mais sentido. Como também não faz sentido a retórica terceiro-mundista do governo Lula, para a qual a pobreza dos países emergentes se deve aos injustos termos de troca que são impostos pelas nações desenvolvidas.

De toda essa controvérsia, resta-nos, ao menos, um consolo. Se a economia internacional não é um jogo de soma zero, há esperanças, sim, para os pobres. A China, a Índia, a Coréia do Sul e outros países do antes paupérrimo continente asiático já perceberam esse fenômeno, redirecionaram as suas economias e estão crescendo a taxas astronômicas. E os países ricos não só não estão tentando impedir isso, como se tornaram entusiásticos parceiros dessas nações.

Aqui no Brasil, infelizmente, nós persistimos em nossa política exterior ressentida, em que muito se reclama dos ricos, mas pouco se faz para seguir os seus exemplos.

Nossa renda per capita, atualmente, é de pouco mais de US$ 3 mil. E não há nenhuma nação no mundo com reais interesses em nos manter para sempre nesse patamar. Ninguém nos explora, ninguém nos oprime. Pensemos como pensam os ricos, façamos por nós o que os ricos fizeram por si. Ajamos como os ricos. Aliemo-nos a eles. E um dia, com certeza, nós chegaremos a ser ricos também.

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