O GLOBO
O dado mais significativo da pesquisa do Datafolha que confirmou o crescimento de Lula nas intenções de votos é que esse crescimento se deu também entre os eleitores que ganham acima de dez salários-mínimos, embora seja uma incorreção técnica dizer que ele dobrou sua aprovação, já que o universo dos pesquisados nessa faixa de renda é de apenas 5% da pesquisa, o que quase triplica a margem de erro.
Mas, de qualquer maneira, o crescimento de Lula nesse segmento do eleitorado, e mais no de curso superior, indica uma tendência de esquecimento dos fatos que fizeram esses eleitores abandonarem Lula em meio à crise de denúncias de corrupção que dominou o cenário político mais da metade do ano passado.
Mesmo que qualquer dos candidatos tucanos ainda vença Lula nesses segmentos, sua melhora de avaliação mostra que está dando certo a estratégia de o governo abrir seu “saco de bondades” para a classe média, com medidas como o reajuste da tabela do imposto de renda, o aumento salarial dos militares, a decisão de ontem de adiar por um ano eleitoral a mudança do critério de cobrança do telefone fixo, de pulso para minuto, o que encareceria muito as conversas e, sobretudo, o uso da internet.
Mas o que deve estar afetando para melhor o humor da classe média é o dólar baixo, que permite viajar e comprar importados mais barato e, num efeito que atinge todas as faixas da população, barateia o preço dos alimentos. O mais importante é que a oposição não pode se colocar contra a Bolsa-Miami distribuída pelo “populismo cambial” do governo, ou pelo menos tem que fazê-lo de maneira muito cuidadosa, assim como não pode se colocar contra o Bolsa Família que garante os votos dos grotões do país a Lula.
O prefeito José Serra foi aconselhado a não repetir suas críticas à medida provisória do governo que isentou do imposto de renda as aplicações de estrangeiros em títulos do governo, que acentuou a queda da cotação do dólar. Serra, que já falou em “responsabilidade cambial” e gerou especulações de que interviria no câmbio caso chegasse à Presidência, criticou o governo nesse caso por considerar inexplicável a isenção dos estrangeiros, já que pelo acordo de bitributação, os investidores americanos — principais alvos da medida para alongar o perfil da dívida pública — não terão qualquer benefício, pois pagarão impostos no seu país.
Somente os investimentos ilegais, de dinheiro não declarado em paraísos fiscais, se beneficiarão da medida, contra o investidor legal brasileiro, que continuará a ser taxado. Mas esses são detalhes técnicos que não rendem discussões em campanhas eleitorais. O efeito da medida, sim, provoca a valorização do real e a queda da inflação, criando um aparente ciclo virtuoso. Até que afete o resultado da balança comercial do país, o que, para alguns analistas, poderá ocorrer durante a campanha eleitoral.
Para o cientista político Antonio Lavareda, que comanda a realização e análise de pesquisas para a oposição, essa mudança no eleitorado de classe média obedece, grosso modo, ao mesmo movimento que determina a melhora geral de Lula: a predominância do noticiário positivo, com o presidente dominando a cena política nacional no seu périplo pelo país na campanha eleitoral mal disfarçada. Ele acredita que essas intenções de voto “flutuantes” podem ser novamente revertidas pela oposição durante a campanha eleitoral, quando o noticiário sobre a corrupção no governo retornar como tema no período da propaganda eleitoral pela televisão.
A conta dos marqueteiros e analistas eleitorais é que o dia 30 de junho, prazo fatal para as convenções partidárias, é também o prazo fatal para os candidatos se mostrarem competitivos. A partir daí, quem entrar na campanha de rádio e televisão para reverter a situação dificilmente conseguirá seu intento. Há quem considere que o governador Geraldo Alckmin, estacionado desde o início na faixa dos 20% de intenções de votos, está no seu piso e pode subir com a televisão, ao contrário de Serra, que estaria em declínio depois de ter batido no teto. Mas há os que consideram Serra um candidato consolidado entre os eleitores, que disputará a preferência desse eleitorado “flutuante” com Lula numa campanha acirrada, enquanto Alckmin pode não decolar.
Na verdade, o PSDB hoje se debate na dúvida se pode disputar para valer a Presidência, ou se o melhor é pensar mais adiante, em 2010, e garantir seus postos importantes em São Paulo. Se os tucanos abrirem mão da prefeitura paulista para o PFL, não elegerem o governador, e perderem a Presidência, nos próximos quatro anos ficarão com o peso político reduzido a Minas Gerais. O PFL, que tem uma expectativa de poder em São Paulo em qualquer dos casos — os vices de Serra e Alckmin são pefelistas, e ambos estão convencidos de que assumirão — considera Serra o candidato mais forte.
Por isso o presidente do partido, senador Tasso Jereissati, chegou a levantar a hipótese da prévia para decidir o candidato, mais como uma ameaça aos dois tucanões paulistas que não se entendem. No limite, chegou a dizer que a prévia poderia abranger mais que os dois, abrindo o leque de candidaturas. Foi o que fez o governador Geraldo Alckmin arrefecer o ânimo belicoso de que estava possuído.
O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, também fez uma ameaça velada ontem, deixando no ar a possibilidade de não se candidatar à reeleição, ou até mesmo a cargo algum, o que seria um baque para o partido. Fez isso para se contrapor ao quadro paulista, e também para frear as articulações para a escolha de seu vice, que já incendeiam a política mineira na certeza de que em 2010 o vice governará no último ano e serás o candidato natural à sucessão de Aécio.
Tanto Tasso quanto Aécio estão demonstrando grande irritação com a briga de foice no escuro entre os tucanos paulistas e, cada um à sua maneira, estão dando recados para dentro do partido. Todos esses movimentos fazem parte do afunilamento da decisão, que terá que ser tomada na semana logo após o Carnaval. Decisão que está azedando as relações internas no PSDB e facilitando a vida de Lula.