Na China, faça como os chineses
Navegar Impreciso
pdoria@nominimo.com.br
Zhao Jing tem 30 anos, vive na capital chinesa - Pequim - e tem um bom emprego numa multinacional. Ele é jornalista: trabalha no New York Times. Na verdade, não assina reportagens. Está lá para ajudar como intérprete, faz apuração, pesquisa - é como uma rede de apoio dos repórteres norte-americanos.
De noite, em casa, computador ligado e blog hospedado no MSN da Microsoft, é que Jing vira repórter, escrevendo em mandarim.
Ou virava - não mais. Ficou tão popular que começou a incomodar o governo chinês. Pediram à trupe de Bill Gates que o tirassem do ar. Os engenheiros nem piscaram, só obedeceram.
A relação das grandes empresas de internet com o governo chinês está começando a incomodar um bocado de gente em Washington. É que Yahoo! e Google censuram seu conteúdo em mandarim conforme os pedidos do governo, e a Microsoft tira blogs do ar. Estão fazendo o jogo da ditadura.
Não só elas: a Cisco, que fabrica roteadores - a máquina que, literalmente, faz o roteamento da rede, encaminhando cada pacote de informação para onde deve - também ajuda a filtrar o que pode ser visto ou não de um computador na China.
Este mês, as quatro estiveram perante o Comitê de Relações Internacionais do Congresso dos EUA. Elas apresentam um argumento que, no bojo final, é bastante simples. É verdade que censuram, mas de certa forma não têm escolha que não obedecer as leis de cada país em que atuam - agem, portanto, qual romanos em Roma.
A justificativa das empresas tem um desdobramento. Elas dominam boa parte da tecnologia que põe a internet no ar - o que é parcialmente verdade.
A China vai melhor com internet, mesmo que limitada, do que sem rede alguma. Bem ou mal, está lá uma ferramenta de comunicação que ainda assim é potencialmente revolucionária.
Talvez pareça tudo um bocado razoável - mas não é. Em meados de 2004, agentes policiais cercaram num beco o repórter Shi Tao, 37 anos, o prenderam. Ele foi condenado a 10 anos de prisão por revelar segredos de Estado. Dias antes do julgamento, coincidentemente, seu advogado foi posto em prisão domiciliar.
Shi Tao era editor no Dangai Shang Bao - Jornal do Comércio Contemporâneo - e publicou em seu blog anônimo um alerta que todas as redações do país receberam do governo central. Avisava para que tomassem cuidado com o aniversário de quinze anos do massacre da Praça da Paz Celestial que se aproximava. Afinal, uma entrevista com qualquer dissidente poderia causar perturbações públicas. Cabia não provocar.
No blog, ele se assinava 198964. Não havia como identificá-lo - ou quase. Os executivos da Yahoo!, que hospedavam sua conta, poderiam entregar sua identidade se o quisessem. Pequim pediu, Yahoo! entregou. Talvez mais incômodo seja o fato de que Jerry Yang, um dos fundadores do primeiro site de buscas da internet, é de origem chinesa.
Qual o limite para obedecer as leis de um país? Um senador norte-americano, ironizando o argumento das empresas, disse: é mais ou menos como se Anne Frank ao invés de um diário, escrevesse um blog e o Yahoo! a entregasse ao Terceiro Reich.
Talvez não seja tanto - o governo chinês já passou dos tempos maoístas e não parece estar engajado em genocídio. É só uma ditadura ordinária com muita mão de obra barata para oferecer à fúria do capitalismo internacional. Mão de obra barata, aliás, e uma classe média de milhões de consumidores que não têm o direito de dizer o que lhes passa na cabeça mas compram insaciavelmente.
Fim de fevereiro de 2006, pois, e o governo do País do Centro - é assim que se traduz a palavra que usam para China em mandarim - já anunciou que começará a investigar mais pesadamente os SMSs (mensagens de texto) que os pobres cidadãos trocam entre si pelos celulares. Nada é sagrado.
Google, Yahoo!, Cisco e Microsoft tentam apresentar seu problema como um dilema ético. Saem e deixam a China sem internet ou ficam, cedendo à ditadura, mas ao menos oferecendo alguma participação na rede.
É um não-dilema. Com software livre e computadores que a China fabrica às toneladas, põe-se a internet no ar sem a necessidade de qualquer estrangeiro. E a turma do software livre, enquanto as grandes enchem-se de dinheiro, se preocupa em contrabandear programinhas que, usados de dentro, podem driblar os filtros que a ganância e a ditadura, bem casadas, impõem.