A China pula no carnaval brasileiro
Alberto Tamer*
A coluna poderia tratar de dois assuntos atuais e difíceis de falar neste clima de festa. O primeiro é o anúncio de que o Brasil cresceu só 2,3% em 2005. Resultado medíocre, oportunamente anunciado às vésperas do carnaval. Mas, como é um fato triste e estamos em festa, vamos deixar para depois. Só queremos chamar a atenção para o número.
CHINA FESTEJA O CARNAVAL
O segundo é menos triste, pois há conserto. Empresas brasileiras de calçados já estão na China, produzindo e exportando para o Brasil e para os EUA. Reportagens do Estado e do Valor assustam. Já informamos que os chineses estão importando mais couro do Brasil e exportando calçados e outros produtos similares para o Brasil. A Azaléia já faz isso. "Fomos obrigados a importar produtos da China e exportar para os EUA; era a única maneira de manter esse mercado onde investimos milhões. Esses sapatos deveriam ter sido feitos no Brasil", informa ao Valor o gerente de Marketing da Azaléia, Paulo Santana.
A Hering iniciou a importação de jaquetas e bermudas fabricadas na China para abastecer o mercado interno, diz ao Valor o diretor-superintendente da empresa, Ulrich Khun. "O Brasil está desmontando setores grandes empregadores de mão-de-obra." A Hering ainda consegue exportar de 20% a 25% da produção, "mas será difícil manter este nível".
DE PRODUTOR A IMPORTADOR
No Estado, Vera Dantas mostra, em entrevista com o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Calçados, Élcio Jacometti, que em 2005 o Brasil deixou de exportar 23 milhões de pares, a fuga de empresas para o exterior aumentou e neste ano deveremos deixar de produzir entre 80 milhões e 85 milhões, enquanto aumentamos as importações da China. Ao todo, a produção nacional caiu de 750 milhões de pares, em 2004, para 680 milhões no ano passado e as importações catapultaram de 6 milhões, em 2004, para 35 milhões no ano passado. Pelo menos 25 mil empregos serão perdidos, diz. A causa principal é o câmbio. Não dá para competir não só com a China, mas também com outros países produtores, desde a Argentina, a Bolívia e, acreditem, a Namíbia, na África!
NÃO OLHE PARA O SEU PÉ!
Veja, leitor, você não sabe, mas poderá estar dançando neste carnaval com uma sandália made in China, ou made em Brasil, fabricada e importada de lá. Qual é a probabilidade desse gesto "impatriótico"? Entre 60% e 70%.
Quando gracejamos com o bloco carnavalesco da China, estávamos acertando sem querer. Realmente, os chineses estão pulando no carnaval brasileiro. E o pior é que ninguém em Brasília faz nada. O dólar continua despencando num movimento eleitoral. Mas o pior é que, antes, as empresas brasileiras perdiam mercado no exterior; agora, estavam perdendo mercado aqui também! E, para evitar isso fazem o que qualquer empresa para sobreviver faria: ir produzir lá fora, na China, e "exportar" para o Brasil e outros países, como os EUA.
Não é só calçado. São produtos têxteis que também estão inundando o Brasil! Você pode estar com camisa e sandália chinesas fabricadas com matéria-prima e tecnologia brasileiras. Dá para entender? Mas quem entende o Brasil?
EXPLICANDO OS 2,3%
Tudo isso explica por que a economia cresceu só 2,3% no ano passado e, a manter-se este clima econômico-eleitoral, dificilmente passaremos desse resultado medíocre neste ano. A economia vem sendo sustentada nestes dois anos pelas exportações e, como o dólar está sendo puxado para baixo, torna-se cada vez mais difícil exportar. A novidade é que o processo começa a inverter-se, passamos a importar produtos que antes fabricávamos. E também por causa disso, os investimentos diretos externos continuarão igualmente medíocres. Ninguém investe sem ter idéia por quanto poderá exportar.
E A 'DINHEIRAMA'?
Mas e essa festa que estamos dando no exterior, pagando dívidas adiantadamente, colocando títulos e levantando recursos à vontade?
É aqui que a mídia nem sempre esclarece. Fala em "investimentos", quando se trata de "aplicações financeiras", ou se quiserem "investimentos financeiros". Dinheiro que pode entrar e sair do Brasil ao toque no computador. Como é mínimo o risco de que o governo feche a porta de saída dessas "aplicações financeiras" e, principalmente, como o Brasil ainda paga um juro alto num mercado internacional que está inundado de dinheiro, os recursos continuam entrando. Mas não são recursos destinados a financiar projetos produtivos.
Crescimento só se faz com investimento direto, nacional ou estrangeiro. Mas como os internos não só não aumentaram no Brasil, mas as empresas estão indo para o exterior e os investidores externos estão preferindo os países que atraíram também as empresas brasileiras, ficamos nos 2,3% sem estímulo para crescer. Tudo o mais que se discuta é conversa fiada. Sem investimento o Brasil continuará sendo o que tem sido nas últimas décadas. Um país marginalizado contrastando com um cenário de crescimento mundial exuberante, que não estamos sabendo aproveitar.
