O poder americano, por Chomsky Maldito
Palestras do ligüista feitas nos anos 80 e 90 falam da supremacia desse império que ele deseja, antes de explodir, reformar
Rosane Pavam
ESPECIAL PARA O ESTADO
Ler este livro é, mais do que entender os mecanismos de poder, compreender Noam Chomsky. Aqui sabemos por que o renomado lingüista se ateve ao estudo da dominação americana. E entendemos por que, passados os anos 60, este senhor nascido em 1928 ainda milita por causas populares. A razão é que, para ele, aquela década se viu interrompida em seu caminho de transformações, não pelos próprios erros, mas pela supremacia desse império que ele deseja, antes de explodir, reformar.
Chomsky afirma que Marx foi antes um teórico do capitalismo que um filósofo socialista – analisou o que via, mas não compreendeu o que viria, daí porque se dizer marxista, a seu ver, é falar erroneamente. Não se pode, ele diz, aderir a um homem sem considerar que, por grandioso que seja, seu pensamento provou equívocos com o tempo. E se Chomsky não é marxista, o que ele é? Ele deseja retomar a história a um ponto anterior. Quer saber como estaria a civilização agora se Lenin e Trotsky, em lugar de frear o socialismo à espera da revolução alemã e das “condições históricas favoráveis” à Rússia, tivessem tratado seus comandados com liberdade. A história seria outra? Talvez sim.
E então ele chega ao ponto em que seu livro realmente faísca, aquele em que desfila as denúncias das atrocidades da América em relação a seus súditos. Um Estado pratica o terror como extensão dos negócios quando seus negócios constituem o domínio. Para isso, segundo essa lógica, conta com a colaboração de outros Estados-satélites terroristas.
Chomsky diz que, desde Ronald Reagan, os EUA invadiram países indefesos – como Granada – apenas para exibir poder. Mataram-se milhares nestes lugares, mas matou-se rapidamente, para que a opinião pública se satisfizesse com um estabelecimento rápido das intenções americanas. Quando as coisas chegam a ficar como, atualmente, no Iraque, e antes dele, no Vietnã... a população tem tempo de contar seus mortos. É melhor fomentar o extermínio à distância, como em Timor Leste ou no Camboja, e eximir-se da autoria, como fez o presidente dos direitos humanos Jimmy Carter, responsável direto, diz Chomsky, pela morte de 600 mil no Timor, sem que a imprensa americana desse crédito ao fato.
As denúncias são duras, como aquela que mostra o desmantelamento da resistência européia e a refacção das estruturas fascistas, pelos próprios americanos, depois da Segunda Guerra Mundial. Foi na Itália e especialmente na Grécia que o extermínio dos resistentes se promoveu, e a crença de Chomsky para isso é simples: o fascismo se adequava aos interesses econômicos dos Estados Unidos e Inglaterra mais do que o comunismo soviético.
Em duas ocasiões, Chomsky cita o Brasil, e o credita à órbita colonial americana. Por esta razão, embora estivessem em condições de paridade econômica com a Rússia dos anos 10, os brasileiros não se teriam desenvolvido como os russos até os anos 90, pelo menos não os 80 por cento da população que vivem como na África Central. Também somos o país em cujo nordeste os cérebros perderam 40 por cento de sua capacidade, dada a desnutrição... Chomsky não se detém no poder brasileiro de organizar o pensamento e a arte. Ele quer ser contundente, não sutil. E então nos vemos diante de um livro importante, porém sombrio, em que seu autor nos dá um mapa aéreo do poder sem descer aos vales. Vistos por ele, somos pequenos e indefesos, embora não o sejamos, obrigatoriamente, o tempo todo.
Rosane Pavam é jornalista, autora de