O Globo |
1/2/2006 |
Chegou uma onda. Despertados na TV, os anos JK acalentam, após cinqüenta anos, as conversas sobre a política nacional. Revisita-se uma época marcante, na qual a agricultura acaba suplantada pela indústria. A cidade vence o campo. O desenvolvimentismo dos anos 50 representou, sem dúvida, a virada da economia brasileira. Começava a industrialização, comandada pelo Estado, a serviço da nascente burguesia. “Cinqüenta anos em Cinco”, famoso slogan do Plano de Metas de JK, mostrava pressa em romper com o passado. Em contraposição, é importante ressaltar que a verdadeira obsessão pela indústria, criada naquele período, promoveu um desprezo pela produção rural. As luzes brilhavam todas na cidade. A terra restou esquecida. Surgiu o fenômeno do êxodo rural, revelando um monstro de duas caras. De um lado, sorridente, estampava a felicidade do emprego, do conforto urbano, da liberdade humana. Representava o Brasil se livrando de seu passado, da opressão latifundiária. De outro lado, espelhava a face triste do retiro, as agruras da incerteza, o caminhão pau-de-arara, a família arrebentada. Atraídos pela urbanização, ou expulsos pela mecanização agrícola, estima-se que, entre 1960 e 1980, 27 milhões de pessoas deixaram o campo. Nas nações desenvolvidas, a transição populacional e a industrialização se fizeram paulatinamente. Aqui, ocorreu num piscar de olhos. Em duas décadas se cumpriram dois séculos de História. Em 1950, o Brasil contava 60 milhões de habitantes, dos quais a maioria (63,8%) morava na zona rural. Na década de 50, início da forte desruralização, quase a metade (46,3%) dos migrantes rurais, estimados em 11 milhões de pessoas, vinha do Nordeste. Na década seguinte, porém, o maior fluxo migratório teve origem no Sudeste. As colônias das fazendas de café foram literalmente esvaziadas durante os anos 60. Bolsões de miséria nas periferias urbanas incharam terrivelmente. Houve fome. O grande problema residia nas deficiências do abastecimento. O consumo de subsistência nas fazendas precisou, em pouco tempo, ser substituído pelo comércio varejista. Uma coisa puxou a outra. A demanda urbana exigia elevação da produtividade rural. Por outro lado, a falta de braços na roça estimulou a mecanização. Assim, o capitalismo penetrou no campo desencadeando um extraordinário movimento de modernização tecnológica. Quando JK tomou posse na Presidência da República, a área cultivada no Brasil mal ultrapassava 20 milhões de hectares. Hoje, a área cultivada atinge 62 milhões de hectares. Na pecuária, apenas 15 milhões de hectares advinham, em 1950, de pastagens plantadas; o resto era natural. Agora, as pastagens artificiais, cultivadas com gramíneas selecionadas, somam 120 milhões de hectares. JK promoveu a indústria automobilística. No campo, ainda imperava a carroça e a tração animal. Somente em 1959 o país produziu o primeiro trator, na fábrica da CBT — Cia. Brasileira de Tratores. Muita coisa mudou, para melhor, nesse meio século desde JK. É bem verdade que a transição para a sociedade urbana poderia ter ocorrido de forma mais planejada, sem tanto trauma. Mas não adianta choramingar o passado. A História não dá marcha a ré. Vale o aprendizado para o futuro. A ânsia da rápida industrialização gerou uma ilusão na sociedade brasileira. Supôs, como num sonho, que mudar de casa e pisar no asfalto seria passaporte para a felicidade. Triste engano. A pobreza, característica da sociedade agrária, imiscuiu-se nas entranhas da metrópole. No final da vida, JK vira fazendeiro. Provavelmente ele já tinha ciência de que o fosso entre o campo e a cidade, subproduto cultural da onda desenvolvimentista dos anos 50, havia gerado o caipira, terrível caricatura do trabalhador rural. Chapéu na cabeça, mineiro de fala arrastada, caiu ele próprio, sem o perceber, na armadilha ideológica do progresso, que costuma negar o passado. Nenhuma nação se desenvolve deixando para trás seus agricultores. Essa foi a grande lição dos anos JK. |
Entrevista:O Estado inteligente
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