Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Roteiro de terror: o suplício do menino assassinado no Rio

A falsa questão da pobreza

Os assassinos de João Hélio têm família,
educação e religião, mas acabaram no crime


Ronaldo Soares e Ronaldo França

Marcos D' Paula/AE
Quatro dos acusados do crime no Rio de Janeiro: o "social" não explica a barbárie


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Até o dia 7, Tiago de Abreu Matos, de 19 anos, levava uma vida como a de qualquer outro jovem da sua idade. Gostava de carros – em especial, Opala antigos –, soltar pipa e sair com a namorada. Sua família é evangélica praticante e mora na melhor casa de uma rua de Madureira, bairro do subúrbio carioca. Concluiu o ensino médio na melhor escola particular da região, onde não era um aluno brilhante, mas estudava o suficiente para passar de ano. Jamais se envolvera em confusão com outros alunos. Para ajudar no orçamento da família, dirigia o táxi do pai. Seu plano para este ano era prestar concurso para a Polícia Militar. Na vizinhança, a família do rapaz sempre foi tida como unida e solidária. Chamado pelo pastor da igreja para ajudar na distribuição de pães em uma favela perto de sua casa, Tiago atendia com boa vontade. Essa imagem de bom moço virou pelo avesso na noite da quarta-feira 7. Tiago foi no táxi do pai com outros quatro rapazes até um cruzamento de Oswaldo Cruz, bairro vizinho a Madureira. Três deles saltaram e interceptaram o carro em que estava o menino João Hélio Fernandes, dando início ao bárbaro assassinato que revolta o país desde então.

O episódio não só revelou um Tiago que nem os próprios parentes conheciam como ajudou a enterrar um mito que a doutrinação esquerdista-tropical propaga: o de que a única e verdadeira raiz da formação de criminosos está na miséria e na desestruturação familiar das camadas miseráveis da população. Tiago não é pobre, e sua família está longe de ser exemplo de desagregação. O caso desnuda também a injustiça que se encerra na visão "social" das causas da proliferação de bandidos. Onde fica a imensa maioria dos garotos que moram em favelas ou bairros humildes e encontram satisfação em uma vida honesta de estudo e trabalho? Especialistas concordam que a escalada do crime e, em especial, do crime com crueldade tem causas bem mais complexas. Para a cientista social Simone Gonçalves de Assis, que coordena o Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde (Claves), da Fundação Oswaldo Cruz, o desrespeito ao ser humano, a desvalorização da vida e a noção de impunidade fazem parte de uma cultura difundida diariamente. "Quem vive nas grandes cidades respira violência e desrespeito. Você não confia na polícia, no professor, no vizinho. Isso faz crescer o descaso pelo outro", diz. Some-se a isso a força da cultura da permissividade no Brasil, onde criminosos e maus políticos não são punidos, a propina é um hábito e as autoridades usam suas credenciais para obter favores. No caso do Rio de Janeiro, há uma agravante: a valorização da cultura da malandragem, que em muito contribui para glamourizar os marginais. É nessa sociedade que crescem os jovens de hoje, muitos deles bandidos amanhã.

Amigos e vizinhos ainda se mostram surpresos com o envolvimento de Tiago no crime. "O pai dele, aos poucos, está começando a ligar fatos do dia-a-dia com o que aconteceu agora, lembrando de situações em que o filho saía de casa sem dizer aonde ia", diz o delegado Adílson Palácio, um dos responsáveis pelas investigações. A polícia não tem dúvida de que o rapaz ajudou a perpetrar a monstruosidade contra João Hélio. Tiago e os quatro cúmplices foram indiciados por latrocínio (roubo seguido de morte), formação de quadrilha e corrupção de menor. Cada um deles pode pegar até quarenta anos de prisão – exceto o menor, de 16 anos, que, embora também tenha participado do crime, ficará no máximo três anos em uma unidade para menores infratores. Além disso, na semana passada Tiago e dois de seus cúmplices foram identificados por uma vítima de roubo de carro, ocorrido no ano passado. Mais um episódio, claro, que a família desconhecia.

Com reportagem de Marcelo Bortoloti

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