O Globo |
27/2/2007 |
O presidente Lula inventou ontem mais uma desculpa para o atraso na divulgação do Ministério do seu segundo mandato: a culpa seria dos próprios políticos, que continuam promovendo um troca-troca de legendas, que o presidente classificou de "realinhamento" de posições. Ele disse que terá mais tranquilidade para definir o quadro quando os partidos estiverem com suas posições estabilizadas, mas já avisou: "Não vai haver muita mudança". Segundo o presidente, todos os partidos, com exceção do PDT, estão contemplados dentro do governo, e por isso não se justifica uma mudança radical no Ministério. O que o presidente quer mesmo é continuar com basicamente a mesma equipe que terminou seu primeiro mandato, e o maior problema deve ser enfrentado hoje, na reunião com a direção do PT, e tem nome e sobrenome de peso na hierarquia petista: Marta Suplicy. Como encaixá-la no Ministério sem ferir suscetibilidades de aliados e, mais que isso, sem criar um clima de politização excessiva no governo com relação à sucessão presidencial, o que aceleraria o indesejável processo de envelhecimento do governo Lula, é o grande enigma que o presidente tem que decifrar. Enquanto não decifra a resposta para não ser devorado pelas disputas internas do PT, o presidente vai criando desculpas políticas. Ontem ele insistiu muito no tal processo de acomodação que estaria em curso dentro dos partidos: "É importante também levar em conta o que está acontecendo no Congresso Nacional. Se você for analisar o resultado eleitoral, a quantidade de deputados e senadores que cada partido elegeu e o que já aconteceu nestes últimos três meses, ou seja, a mudança que já houve dentro dos partidos, gente já trocou de partido, os partidos estão se aliando, isso ainda também não terminou". Ele garantiu que não tem como objetivo esperar o PMDB se decidir entre o atual presidente, Michel Temer, ou seu oponente, o ex-ministro Nelson Jobim: "Eu não tenho compromisso de fazer depois da convenção ou antes da convenção. O problema é que os partidos estão num processo de alinhamento", garantiu o presidente na sua fala no rádio. Segundo ele, nas conversas com os líderes políticos todos os dias recebe notícias: "tal partido tinha 40, passou para 46, tal partido tinha 50, caiu para 48, tal partido tinha 65, caiu para 60". Também o ministro do Supremo e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Marco Aurélio de Mello, revelou-se surpreso com o que chamou de alto número de mudanças partidárias. Em conversa informal, teria sugerido que, se algum partido entrasse com reclamação no TSE, o tribunal poderia se pronunciar contra as mudanças. A nova desculpa de Lula para não anunciar o novo Ministério, no entanto, não resiste a uma análise da situação real dos partidos. Depois que ficou definido que para cargos de direção do Congresso, para as comissões e para a contagem do tempo de TV o que vale é a chamada bancada das urnas, reduziu-se muito a motivação para a troca partidária. O mapa do troca-troca partidário na Câmara mostra claramente isso: o governo vem ganhando apoios de novembro até a posse, em janeiro, mas em número muito reduzido: foram registradas apenas 21 mudanças de partido. Como sempre, os partidos da oposição são os que mais perdem. O que mais sofreu baixas até agora foi o PPS, que já perdeu cinco parlamentares para a base do governo. O partido que mais recebeu parlamentares foi o antigo PL, que virou Partido Republicano: desde a eleição ingressaram na legenda nada menos que 11 deputados. O PMDB atraiu apenas três deputados, apesar de ter chances de ser bem aquinhoado na reforma ministerial. O PMDB, aliás, foi o único partido citado pelo presidente em sua fala no rádio, no sentido de confirmar negociações para incorporá-lo integralmente no governo: "Tenho trabalhado com muita insistência para uma unificação do PMDB como um todo. Todo mundo sabe da importância do PMDB para consolidar a nossa base de aliança". Mas todas as trocas até o momento não chegam a 4% do total de integrantes da Câmara, o que não representa nada diante da tsunami que varreu a Câmara no troca-troca de legendas incentivado pelo mensalão após a vitória de Lula em 2002, que ultrapassou os 20%. Naquela ocasião, os partidos mais afetados pelo troca-troca também foram os de oposição: PSDB e PFL. No dia da posse, o PFL acusava a perda de 19 deputados dentre os 84 eleitos pelo partido, e o PSDB estava perdendo 18 deputados. Em termos relativos, no primeiro momento o partido mais beneficiado foi o PTB, que, de 26 deputados eleitos, passou para 52. Exatamente o partido capitaneado pelo ex-deputado Roberto Jefferson, que desencadeou toda a crise do mensalão com as acusações ao ex-ministro José Dirceu. No decorrer do processo, o PL, de 26, passou para 54 deputados. Para se ter uma idéia de quão violento foi esse processo estimulado pelo governo para inchar alguns partidos de sua base, o esvaziamento da oposição continuou até que o escândalo estourasse. O PFL chegou a ficar com 62 deputados; o PSDB, com 51. O PMDB acrescentou dez deputados à sua bancada. Como se vê, o ministro Marco Aurélio e o presidente Lula estão equivocados em suas análises e atrasados em seus espantos. No tempo do mensalão, o TSE não tomou nenhuma providência, mesmo porque não há legislação que proíba a troca de legendas. Mas, se o TSE tivesse mantido as cláusulas de barreira, a troca de legenda cairia em desuso rapidamente, com os partidos ganhando mais consistência política. Na coluna de domingo, por um lapso, identifiquei David Cameron como líder dos trabalhistas ingleses. Na verdade, ele é o líder do Partido Conservador. |
Entrevista:O Estado inteligente
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