Defendo a alteração do ECA quanto às infrações mais graves, para que, nesses casos, a internação possa atingir ao menos 10 anos
HÁ QUEM pense que, antes (ou em vez) de aperfeiçoar a luta contra o crime, o Estado deve combater as causas sociais da delinqüência. Mas essa idéia parte de um pressuposto errôneo, segundo o qual somente uma reforma social pode reduzir a criminalidade. Até materializá-la, cruzemos os braços. Tal idéia tem efeito paralisante, pois leva à conclusão fatalista de que, enquanto não houver substancial mudança nas condições sociais brasileiras, a violência é um preço obrigatório a ser pago de maneira aleatória.
Além disso, pobreza não se associa necessariamente à criminalidade. É claro que a exclusão social tem de ser combatida e será sempre mais eficaz responder à violência num ambiente de mais justiça. Mas não vamos confundir eventos correlacionados com causas e efeitos. A causa da violência não é a pobreza, e os pobres honestos, que são a esmagadora maioria, sabem disso. O aumento do bem-estar social merece nosso esforço, sendo nossa principal meta de governo -e esse bem-estar será tanto maior quanto mais combatermos a violência.
Embora as circunstâncias sociais influenciem nos motivos e no modo como o crime se realiza, elas não determinam, propriamente, que ele será cometido. Há, por exemplo, o crime organizado, não raro obra de homens espertos que desejam ampliar suas posses e posição na sociedade. Já passa da hora de enfrentar de modo mais adequado um dos aspectos mais inquietantes da criminalidade contemporânea e prever punição adequada para os jovens excepcionalmente violentos, cuja idade não os priva de enorme competência para agredir a sociedade. A lei deve permitir que sejam afastados do convívio social por um tempo proporcional ao que hajam feito e ao risco que apresentam para a segurança pública.
Tendo sido excluído, entre nós, do direito penal, o adolescente infrator está sujeito a um regime que suprime transitoriamente sua liberdade para educá-lo, protegê-lo e proteger a sociedade. Nesse aspecto, o sistema em vigor é menos moderno que se supõe. Filiado a idéias tradicionais, nunca superou sem traumas o teste da experiência, pois, aqui e em toda parte, uma unidade de internação de infratores é uma realidade institucional difícil, que, muitas vezes, não impede a expansão de perversões morais.
O fato é que a Constituição proíbe a punição criminal do menor de 18 anos (art. 228) e apenas admite a privação de sua liberdade por tempo breve e com respeito à sua peculiar condição (art. 227, parágrafo 3º, inciso V). Mudar essas regras não é simples, não é rápido e não é necessário. Basta mudar o Estatuto da Criança e do Adolescente. É ali (e não na Constituição) que se diz que, "em nenhuma hipótese, o período máximo de internação excederá a três anos" e que "a liberação será compulsória aos 21 anos de idade" (parágrafos 3º e 5º do art. 121).
Defendo a alteração do ECA quanto às infrações mais graves, cometidas com violência ou grave ameaça, para que, nesses casos, a internação possa atingir ao menos dez anos, sobretudo quando se tratar de reiteração, e para que o juiz -após avaliação social, psicológica e médica e oitiva do Ministério Público- possa determinar que, ao completar 18 anos, o infrator seja imediatamente transferido para um estabelecimento ou ala especial, onde cumpriria o restante da medida privativa de liberdade.
Esse aumento do rigor é a dose certa para um problema gravíssimo. Há casos notórios em que a internação do adolescente é a única providência necessária e suficiente para resguardar os direitos das vítimas e, especialmente, da sociedade. Esta não compreende a libertação precoce de quem -embora adolescente- tenha praticado uma infração com requintes de profissionalismo, crueldade ou torpeza (como é o caso, por exemplo, de um latrocínio, de um estupro ou dos demais crimes hediondos).
Porém, as limitações previstas pelo ECA paralisam as autoridades do Executivo, do Ministério Público e do Judiciário e geram intranqüilidade social. Na verdade, as regras em vigor desprezam a hipótese de que também os adolescentes sejam, eventualmente, muito perigosos. Ignoram, assim, a realidade, o que tem sido causa de injustiça, pois impedem a resposta adequada às infrações mais graves por eles cometidas.
Essas propostas são compatíveis com a Convenção dos Direitos da Criança da ONU, de 20/11/89, ratificada pelo Brasil em 24/9/90, que estabelece o limite de 18 anos de idade para tratamento diferenciado e não exclui a aplicação judicial de sanções consistentes na privação temporária da liberdade. Além disso, são justas e necessárias não só para prover o Poder Executivo, o Ministério Público e o Poder Judiciário de instrumentos legais para o combate à delinqüência juvenil grave mas também para possibilitar os meios indispensáveis à preservação da segurança pública e bem-estar da coletividade.
Um cínico talvez diga que a mudança do ECA seria mais um triunfo da experiência sobre a esperança. Mas as duas virtudes não são inconciliáveis e uma pode aprender com a outra. Aliás, já o disse Santo Agostinho: "A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las".