Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 20, 2007

Miriam Leitão Dois remédios

A cada grande trauma, o Brasil revive um debate inútil que separa os cidadãos entre os que pedem mais penas e maioridade penal, e os que defendem a educação e o combate aos nossos dramas sociais. Por que o Brasil tem que escolher entre esses dois rumos? Países que investiram em educação mais do que nós, e que têm um sistema de educação mais eficiente têm um sistema penal com penas mais duras inclusive para menores.

O Brasil tem chagas terríveis na educação e de erros recentes: há quase quatro milhões de analfabetos com menos de 30 anos. São erros das últimas duas décadas.

É inaceitável esse quadro educacional e ele exige estratégias eficientes para melhorar a educação.Não punir o criminoso, alegando que o país tem errado na educação, é cometer crime duplo.

Penas duras não resolvem o problema. Mas fazem parte do arsenal de proteção à sociedade diante de crimes terríveis; sociedades civilizadas têm um sistema penal eficiente, com crimes sendo desvendados e os criminosos punidos com o rigor da lei como instrumento dissuasório.

Faz parte também do arsenal de proteção da sociedade ir às causas e atuar na prevenção dos crimes.Nenhuma das duas soluções pressupõe o abandono da outra. Punição e prevenção não são escolhas substitutas.

Um sexto da pena para qualquer crime, seja qual for o antecedente do criminoso e seja qual for seu comportamento na prisão é inaceitável. Se um homicida condenado a 19 anos pode sair com três anos, por que ele foi condenado a 19? Algum alívio nas penas para os criminosos sem antecedentes e com bom comportamento faz sentido; um sexto da pena é um escárnio.

O que fazer com o menor infrator? É de fato um dilema, mas as soluções que dividem a sociedade têm sido paralisantes. A sociedade tem que punir quem comete um crime bárbaro.

Passar a mão na cabeça de quem quer que seja não é aceitável nem prudente. Os que são contra a maioridade penal dizem que se for para 16 anos o limite, os criminosos aliciarão os de 14 anos. O presidente Lula até exagerou: “um dia se punirá o feto”, disse. Será que é assim tão simplista como Lula disse? Criminosos de pouca idade devem ficar sem punição ou com uma punição branda demais? Acho mais sensato submetê-los a uma mistura de rigor da lei e esforços de recuperação. Que garantia terá a sociedade de que a leveza vai recuperá-los? O que pode recuperá-los é um bom sistema prisional e não uma redução do tempo em que ele será punido.

Um dos argumentos do debate recente sobre o crime é que se todos os criminosos fossem cumprir toda a sua pena não caberiam nas já superlotadas cadeias.Isso é uma confissão de fracasso e não argumento.

Certamente nas prisões de hoje há pessoas que cumpriram pequenas infrações e ficaram mofando lá por serem pobres, por não haver quem se interesse por eles. Um sistema de penas alternativas para os crimes leves pode esvaziar as prisões.

Maior investimento na inteligência policial ajudará a aumentar a taxa de resolução do crime que no Brasil é baixa demais e tem alimentado a impunidade.

Mas por que não discutir maioridade penal para casos de crime hediondo como o de João Hélio? Por que considerar como criança que não sabe o que faz o menor que participou de tal atrocidade? O debate está se tornando, em parte até pela participação lamentável do presidente da República, uma conversa sobre o nosso sentimento de culpa, como se todo menor infrator fosse um menor abandonado. Muitos têm família, tiveram chances, tiveram escola, e há inclusive os que são de classe média bem nutridos e bem alimentados como os jovens bárbaros que queimaram o índio Galdino. Entre eles havia um menor. Aliás, todos tiveram penas e tratamento brandos, porque são ricos.

O país precisa de mais eficiência no gasto com educação — não basta mais gasto se a eficiência está em queda como agora — precisa manter suas crianças de qualquer classe social em turnos completos nas escolas, precisa ter escolas que atraiam os jovens. Está aumentando a evasão escolar de adolescentes.

Ficamos então numa situação esdrúxula: não podemos punir os abaixo de 18 seja qual for a barbaridade que cometem e está aumentando a evasão de jovens de 15 a 17 anos das escolas. O que vamos construir? Se apenas punirmos, não resolveremos o problema; se lutarmos para manter os jovens na escola temos chance de menos crimes mais adiante, mas se as sanções forem leves não haverá um desincentivo forte ao crime.

O Brasil seria cínico se não admitisse que há um aumento da impunidade em todas as faixas etárias em todos os crimes. No Brasil simplesmente a lei não se faz cumprir. Os exemplos são tão diários que nem preciso lembrá-los ao leitor.

Tem gente que se pergunta por que só discutimos isso em momentos extremos como agora? Todas as sociedades são assim. E há leis que têm até nomes de pessoas.

João Hélio tornou-se símbolo e permanece conosco como lembrança forte do que não toleramos, nem podemos tolerar. A infância de João Hélio precisava ser protegida e nisso falhamos.

Temos que repetir isso diariamente para não esquecer que vivemos numa sociedade em que um dia uma criança de seis anos foi arrastada sete quilômetros em martírio. Este momento é grave. Não podemos nos perder entre dilemas, culpas, sofismas, soluções mágicas.Um país que aceita isso aceita qualquer coisa.

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