Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Por que o país não consegue vencer a guerra contra o crime

Adianta fingir que não vê?

O "país-avestruz" deplora a violência abstrata e esquece o criminoso real. A "luta contra a violência" é o samba-enredo do crime. Bandido adora. Isso socializa a culpa


Ronaldo França


Montagem sobre fotos Steve Bloom-Getty Images/Vidal Cavalcante-AE/Paulo Libert-AE/Valdenir Rezende/Victor R. Caivano-AP/Patricia Santos-AE

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Mais raro e melhor do que um país que faz boas leis é um país que é capaz de aplicar suas leis. No Brasil, essa lógica cristalina está invertida. Ainda sob o efeito do assassinato público e brutal do menino João Hélio, no Rio de Janeiro, iniciou-se um debate sobre a idade a partir da qual um indivíduo pode ser responsabilizado pelos crimes que comete, a chamada imputabilidade penal. Não que a discussão seja tola. O assunto mobiliza especialistas ao redor do mundo e há bons argumentos dos dois lados. Mas no que se refere à tarefa emergencial de conter a ousadia sem limites dos bandidos, neste momento, a questão é lateral. O Brasil tem uma legislação criminal que pode, sim, precisar de ajustes e aperfeiçoamentos. O vital, no entanto, é fazer com que funcionem as instituições responsáveis por aplicá-las.

A cada vez que o país se choca com uma nova tragédia, a primeira atitude é fazer o movimento de avestruz, como a da fotomontagem que se vê nesta página. O país opta por não encarar o problema e não consegue responder ao justo clamor da sociedade por mais segurança nas ruas. Fica esperando por milagres, combate miragens como a "violência", algo abstrato, intangível, que não se pode responsabilizar, colocar na cadeia... Enquanto se lutar contra a violência, não se chegará a lugar nenhum. A "luta contra a violência" é o samba-enredo do crime, com passarela e apoteose. O urgente a fazer é uma guerra contra os bandidos, contra seus asseclas e associados na polícia, na política, nas associações de favelados... onde quer que estejam.

O Brasil caiu na armadilha do pensamento mágico, em que tudo parece possível, desde que a abordagem seja política. Em termos práticos, o que isso significa? Significa paralisia. Como? Um exemplo. Se o suplício público do menino João Hélio, de 6 anos, fosse um caso único no Brasil, ele seria tratado como o que é, um crime bárbaro. Como crimes bárbaros ocorrem às centenas no Brasil – um dia queimam uma modelo dentro de um ônibus no Rio, outro dia incendeiam uma família inteira em São Paulo... –, o martírio medieval de João Hélio torna-se não um crime, mas um "problema social". Ora, problemas sociais só se resolvem com soluções sociais, políticas, doutrinárias... e paralisantes. Quando tudo de que se precisa neste momento no Brasil é que cada um assuma suas responsabilidades individuais. Quem mata é assassino. Quem mata criança com requintes bárbaros é um assassino cruel. É patifaria socializar a culpa porque isso vai acabar em uma abstração. Pode escolher o culpado. A "sociedade de consumo" (como se existisse outro tipo de sociedade viável para manter quase duas centenas de milhões de brasileiros)? O capitalismo? A violência intrínseca do ser humano? Os 40 milhões de brasileiros que não votaram no PT? Nenhuma nação do mundo chegou ao equilíbrio socializando a culpa individual do criminoso que puxa o gatilho, que enfia a faca, que corta a cabeça da vítima... Esse é o caminho mais rápido para a barbárie.

Temos leis. O que falta é aplicá-las. "O direito penal brasileiro é perfeitamente atualizado e em dia com as tendências do pensamento mais moderno", diz Célio Borja, ex-ministro da Justiça e do Supremo Tribunal Federal. O cabeça do bando, Carlos Eduardo Toledo Lima, já havia sido preso por roubo de carros. Estava gozando do benefício do regime semi-aberto, mas resolveu fugiu, como fizera antes, e ninguém se incomodou com isso. Sempre que voltou à prisão, foi por ter cometido outros crimes. Se a lei tivesse sido cumprida, João Hélio estaria vivo. Se a opinião pública deixar, os políticos vão correr a fazer leis, cada uma mais perfeita do que a outra, e os bandidos continuarão matando. Diz o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior: "Não há solução a curto prazo, no que diz respeito à legislação. O que falta é polícia, inteligência e informação". Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro, tem demonstrado um raro sangue-frio diante da crise e uma capacidade também pouco comum de diagnosticar os problemas que afligem seu estado de maneira mais aguda que ao resto do país: "Não adianta esperar que todas as soluções venham de Brasília. Elas não virão".

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