artigo - |
O Estado de S. Paulo |
27/2/2007 |
A política externa brasileira passou a fazer parte dos assuntos que merecem a atenção da opinião pública nacional. O cenário internacional no qual nossa política externa tem de ser executada, porém, é pouco analisado. A compreensão do que ocorre hoje e o que deverá acontecer nos próximos 10 ou 20 anos é essencial para julgar se a política hoje praticada pelo governo brasileiro está adequada aos tempos que correm. O mundo surgido em 1991 com a queda do Muro de Berlin e o término da guerra fria não é mais reconhecível. A nova ordem internacional terminou com a bipolaridade e deixou os EUA como a única superpotência. Este mundo unipolar, afirmado na primeira Guerra do Golfo e com a invasão do Iraque depois dos ataques terroristas de 11 de setembro, está sendo superado. Com o desgaste e a perda de poder real e influência dos EUA, uma nova era - de maior incerteza para toda a comunidade internacional - começa a ganhar contornos mais definidos. Trata-se de um novo momento histórico em que nem o incontrastável poderio militar norte-americano, nem as velhas instituições multilaterais continuarão a prevalecer nos moldes até agora vigentes. Estamos entrando num período “não-polar”, ou de multipolaridade política e econômica, com a emergência de novos centros de poder como contraponto a essa única superpotência. Para tentar resolver os conflitos, sejam eles políticos ou econômico-comerciais, pela negociação ou pela força, coalizões específicas de geometria variável se formam ao redor desses pólos: EUA, Europa (em declínio) e China. Rússia, Japão e Índia, por diferentes razões, não parecem fadados a alcançar o status de superpotências com capacidade de emular Washington e Beijing. Os países produtores de energia e as redes formadas pelas ONGs são partes da nova equação de poder. A crescente difusão de poder torna o novo cenário internacional propício à proliferação de soluções que só podem ser alcançadas se negociadas. Apesar dessa tendência à multipolaridade, o multilateralismo - a aplicação de tratados e a utilização de instituições, como a ONU, para alcançar resultados concretos - está desgastado e cada vez mais difícil de ser usado para obter a redução dos riscos de conflito nuclear, das ameaças do terrorismo, dos choques étnicos, dos desastres ambientais, do combate à pobreza e da promoção de maior justiça social. O lado positivo do momento atual é o forte crescimento da economia global e suas conseqüências positivas para os países que estão sabendo entender a globalização e aproveitar uma fase que já dura mais de 15 anos. Os últimos 5 anos só encontram paralelo em termos de prosperidade da economia mundial no inicio da década de 1970. Nesse quadro de crescente dificuldade para “administrar” o mundo, que fatores que poderão influenciar o cenário internacional nas próximas duas décadas? Analistas coincidem em que a evolução das relações internacionais vai depender, em larga medida, do poder da China e como ele será usado, do islamismo radical e como ele se desenvolverá, do poder dos EUA e como ele será usado, das conseqüências políticas e sociais das grandes transformações que começam a ocorrer em razão das mudanças de clima e dos problemas demográficos. Em relação à China, continuará ela a ter uma evolução interna pacífica? O crescente poderio chinês colocará o país em conflito com os EUA e o Japão? Como ficará a ameaça de uso da força para impedir a independência de Taiwan? O Partido Comunista e os militares continuarão a prevalecer? No tocante ao islamismo, como ficará o relacionamento com o Ocidente? Como o eventual controle de armas nucleares por países de maioria islâmica pode afetar o equilíbrio global? Os EUA terão de lidar com o mundo como ele é, e não como Washington gostaria que fosse. As questões do Iraque, do Irã e de Israel e Palestina estão fazendo a política externa norte-americana começar a se ajustar às crescentes complexidades do novo cenário internacional. Qual o impacto que as transformações de clima ou doenças pandêmicas poderão acarretar, afetando, sobretudo, os países mais pobres? Se esses elementos convergirem positivamente, nas próximas décadas, o mundo será provavelmente o resultado de uma combinação da globalização com uma forte presença asiática e uma continuada influência militar e estratégica norte-americana. A realidade, contudo, nem sempre se forma como nós queremos. Acontecimentos não previstos poderão alterar essa situação, deixando saudades de uma época em que as soluções eram menos complexas, em especial para as grandes potências. As tendências futuras do cenário internacional poderão alterar-se por fatos novos, modificando as relações entre os principais centros de poder. Quais as conseqüências, por exemplo, de uma eventual instabilidade política na China, acarretando um prolongado período de baixo crescimento, violência e uma política externa mais agressiva; de conflitos ou revoluções na região do Golfo Pérsico que dificultarão o acesso à região que concentra dois terços das reservas de petróleo; de epidemia mundial que produza grande mortandade, problemas econômicos e fechamento de fronteiras; de atos de terrorismo com armas de destruição em massa que poderiam levar a milhões de mortes e a restrições à liberdades internamente; de mudanças de clima que possam ocorrer mais rapidamente que o esperado ou de um evento como o rápido derretimento da calota de gelo na Antártida? Como se vê, a perspectiva de médio prazo para os pólos de poder e para os países de regiões periféricas, como a América do Sul, é mais de indagações do que respostas. É nesse cenário que o Brasil se movimenta e que está a exigir uma clara definição de objetivos de médio e longo prazos. O mundo não vai esperar pelo Brasil. Ninguém vai facilitar, em rasgos de generosidade, a busca de espaços políticos ou de mercados para nossos produtos. Rubens Barbosa, consultor, presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp, foi embaixador do Brasil nos EUA e na Grã-Bretanha |
Entrevista:O Estado inteligente
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