O Globo |
23/2/2007 |
A decisão do presidente Lula de adiar mais uma vez, agora para a segunda quinzena de março, a definição do Ministério de seu segundo mandato, é um bom indicativo do que ele pensa sobre o papel dos partidos de sua base aliada, e, em especial, o do PT. Nunca antes neste país um presidente terá demorado tanto para indicar sua equipe, cinco meses depois de eleito, dois meses e meio depois de teoricamente iniciado o segundo mandato. Na prática, Lula pretende manter o máximo possível a equipe atual, formada na maior parte por técnicos do segundo escalão que assumiram os ministérios para que os titulares se candidatassem. Representam menos os partidos, e devem ao próprio Lula a eventual permanência nos cargos. Quanto mais negaceia para nomear a ex-prefeita Marta Suplicy para um ministério importante, ora alegando que já prometeu ao PP que Márcio Fortes permanecerá nas Cidades, ora que o atual ministro Fernando Haddad tem planos de longo prazo para a Educação, Lula vai minando a força política daquela que já se anuncia como possível candidata do PT à sua sucessão. Ontem Lula deixou escapar para os representantes do PSB que está com dificuldades para encaixar Marta em seu Ministério. Uma confidência que tem sabor de intriga, logo alardeada pelo governador de Pernambuco Eduardo Campos, presidente do partido que monta uma incipiente dissidência dentro da coalizão, contra o PT, desde que seu aliado Aldo Rebelo, do PCdoB, foi atropelado pelo Campo Majoritário. Não é difícil imaginar com que satisfação Eduardo Campos "lamentou" as dificuldades de Marta e, ainda por cima, anunciou que o presidente Lula gostaria de ter novamente em seu Ministério o deputado Ciro Gomes, outro candidato em potencial à sucessão de Lula que não é visto com bons olhos pelo petismo. Ao deixar claro que vai esperar a decisão do PMDB sobre seu futuro presidente, para só depois definir o ministério, Lula está não apenas reforçando o papel do PMDB no seu segundo governo, como deixando claro que prefere que o ex-ministro do Supremo Nelson Jobim seja o escolhido. Fosse o contrário, estaria organizando a participação do Ministério com o atual presidente, Michel Temer, que é candidato à reeleição. Todos esses movimentos políticos não acontecem por acaso, representam o lulismo em ação, para um segundo mandato acima dos partidos e baseado nos programas assistencialistas que lhe deram a vitória na eleição do ano passado. O Bolsa Família, que estudos acadêmicos diversos apontam como o grande propulsor da mudança da geografia eleitoral de Lula, fez do Nordeste a base do lulismo, e alterou a oratória eleitoral de Lula, que trocou sua origem operária pela origem de pobre nordestino, uma sutileza que o distancia do PT original e o aproxima do populismo que marca a atual safra de dirigentes sul-americanos. Durante a campanha, Lula ressaltou sempre sua origem nordestina e chegou a criticar os políticos que governam "com a cabeça na Avenida Paulista". Houve um comício em que ele afirmou que o nordestino já não queria ser apenas "peão de obra" e, no discurso da vitória, disse que a sua fora "a vitória do andar de baixo". Essa retórica do "pobrismo", o cada vez mais assumido papel do "pai dos pobres", faz com que Lula tenha uma performance ascendente nas regiões Norte e Nordeste desde as primeiras eleições que disputou: saiu de 30% de votos no Nordeste em 1994, para 66,7% ano passado, e de 25,5% no Norte para 56%. Não é por acaso que estão naquelas regiões os maiores investimentos do Bolsa Família, e há casos de cidades em que até 45% da população é beneficiária do programa, como em Várzea Grande (PE) e em Pedra Branca (CE). O populista latino-americano já foi definido como o governante que gasta mais do que pode em ações demagógicas, mas com a prevalência da tese "neoliberal" do equilíbrio fiscal, essa definição saiu de moda. Hoje, populistas são aqueles governantes que, como Chávez na Venezuela, Morales na Bolívia, e o Lula da campanha de reeleição, têm uma ligação direta com o eleitorado, acima dos partidos políticos. Segundo o levantamento do Latinobarômetro, ONG com sede no Chile que mede anualmente, desde 1995, as percepções e os valores dos povos da América Latina em relação à política e à economia, as eleições que se realizaram na região no ano passado fizeram surgir "uma nova geografia eleitoral", atribuindo-a à divisão entre ricos e pobres, colocando os primeiros à direita e os outros à esquerda. É verdade que Lula usou e abusou dessa dicotomia, mas o voto no Brasil foi um pouco mais complexo do que simplesmente a conseqüência de uma luta de classes acirrada pelo lulismo. Trabalho da equipe do cientista político da PUC-Rio Cesar Romero Jacob mostra que não houve apenas uma divisão simplista entre regiões, e entre ricos e pobres, mas também entre interesses específicos de grupos. Os mapas mostram que os eleitores votaram basicamente "com o bolso", não apenas os eleitores de Norte e Nordeste, por causa dos programas assistenciais, mas também o eleitorado de Sul e Centro-Oeste, contra o dólar barato que afetou o agronegócio. As oligarquias nordestinas votaram em grande parte em Lula, assim como grandes empresários do Sul. No segundo turno, o aceno à esquerda com as críticas à privatização deu a Lula de volta muitos votos que haviam tido outros destinos no primeiro turno. O lulismo se equilibra entre uma economia de bases liberais e um populismo terceiro-mundista na área social e na política externa. E acena com o "milagre do crescimento" e com o PAC, que já fez um mês sem sair do papel. |
Entrevista:O Estado inteligente
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