Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 27, 2007

Míriam Leitão - Visão de conflito



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
27/2/2007

Os jornais do Uruguai falaram dias da visita do presidente Lula e disseram que não havia notícia mais importante. Isso não quer dizer que esteja tudo bem entre os dois países. Da perspectiva do Uruguai o Mercosul está ficando menos importante, o interesse no acordo com os Estados Unidos é cada vez maior, o Brasil falhou ao não mediar o conflito com a Argentina, no qual eles podem perder um investimento de 10% do PIB.

Chegaram mais ou menos juntos no Uruguai: o presidente Lula e um lote de Pirazinamida brasileiro. O remédio foi uma doação para ajudar o país a enfrentar um surto de tuberculose. A ajuda foi bem recebida, mas, coincidência ou não, o presidente Tabaré Vázquez avisou que o país não quer apenas caridade, quer um comércio mais justo.

Do que o Uruguai está falando exatamente?

Para o especialista em Mercosul Gustavo Segre, sócio do Centergroup, o bloco está ficando menos importante, na prática, para o Uruguai.

- Em 1998, as exportações para o Mercosul eram 55% das exportações uruguaias, agora são apenas 30%. Seus produtos enfrentam barreiras não-tarifárias, como burocracia, barreira sanitária, várias dificuldades para entrar no Brasil - diz.

O conflito das papeleiras é de difícil solução e também afasta o país do Mercosul. Para a Argentina e a maioria dos ambientalistas, as fábricas finlandesas são um perigo ambiental. O Uruguai acha que já fez uma grande concessão, quando propôs que a descarga dos resíduos fosse a 30 quilômetros dos afluentes do Rio Uruguai.

- O país não quer abrir mão de um investimento que significa 10% do PIB uruguaio, mas os argentinos temem o impacto ambiental - diz Segre.

O Brasil não quis meter a mão nessa cumbuca. Fingiu que não viu o agravamento do conflito. Eles recorreram à corte arbitral internacional, ao rei de Espanha. Os jornais uruguaios mostraram várias vezes que o Brasil estava fugindo do papel de intermediador. O Brasil se escorou no fato de que nada foi oficialmente pedido. Mas é óbvio que esse era o preço da liderança; e Brasília não quis pagar esse preço.

O editorial do jornal uruguaio "El País" dizia ontem que o que se esperava da viagem é que o Brasil compreendesse que os menores países do bloco pudessem ter acordos comerciais com outros países. "Mas as últimas palavras de Lula não parecem ir nesse sentido. Sua retórica contra os acordos comerciais bilaterais deixam pouca margem para a esperança de uma solução que deixe todos contentes".

É difícil imaginar o que os Estados Unidos têm a ganhar com um acordo comercial com um país tão pequeno, mas é fácil imaginar a sedução que um acordo assim traz para o Uruguai, que enfrenta barreiras para entrar com seus produtos no maior vizinho.

- O Uruguai tem dificuldade de vender arroz para o Brasil por causa da reação do Rio Grande do Sul. Há muito protecionismo estadual ou políticas de incentivos em outros estados brasileiros que reduzem o potencial das exportações uruguaias - diz José Roberto Mendonça de Barros.

Ele esteve lá e voltou com a sensação de que não é uma posição do presidente, mas sim da opinião pública, a sensação de que eles nada têm a ganhar ficando no bloco:

- Há muita promessa de investimento, de financiamento do BNDES, que nunca se realiza e frustra o país.

Por outro lado, Lula chegou falando em corrigir as assimetrias, como aconteceu com a Europa. Só que a onda de bondades pode ser um custo muito grande para o Brasil.

O Brasil acena com vantagens para a Bolívia para que ela se integre ao Mercosul, a Argentina não concorda, o Uruguai quer o mesmo tratamento, e o Paraguai se pergunta o que sobra para ele. O Brasil aumenta o preço do gás para a Bolívia e enfrenta o risco de ter que rever o preço da energia de Itaipu.

O preço da energia de Itaipu é dolarizado e tem correções quase automáticas. Quando houve a disparada do dólar, o Brasil, que é consumidor, pagou a conta. Agora que há a queda do dólar, o Paraguai quer rever o preço. Não será uma questão simples de resolver. Não há dúvida de que o Mercosul está em crise: aliás, vive várias crises ao mesmo tempo.

- Cada vez que a situação complica, o governo Lula usa a técnica da fuga para a frente; anuncia um plano ambicioso que, se for realizado, levará dez anos, em vez de enfrentar as dificuldades do momento - diz José Roberto.

O comércio no bloco tem crescido, apesar de tudo, puxado em parte pelo forte crescimento da Argentina. Depois da crise de 2002, a Argentina cresceu nos anos seguintes: 8,7%, 9%, 9,1%. Em 2006, a estimativa é que o número feche em 8,7%, e a previsão para 2007 é de 7,5%. Mas os problemas se acumulam.

- O Uruguai, por exemplo, quer mudança nas regras da Tarifa Externa Comum (TEC). Para um produto ser considerado uruguaio, tem de ter 70% de componente nacional; sobre os 30% é cobrada a TEC. Se houver menos de 70% de componente uruguaio, é considerado produto não-uruguaio e, ao ser vendido para o Brasil, enfrenta a Tarifa Externa Comum. Já a Venezuela entrou no bloco sem se comprometer com a TEC - explica Segre.

Os problemas concretos se acumulam. Mas o governo brasileiro acha que tudo se resolve com muita retórica, porque se trata de um acordo político. Assim o bloco vai naufragando.

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