Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Dora Kramer - A coalizão que virou competição




O Estado de S. Paulo
23/2/2007

Praticamente dois meses depois da posse do presidente Luiz Inácio da Silva em seu segundo mandato, o País conhece a aparência, mas desconhece a substância da reforma ministerial anunciada para depois do carnaval. Quem se interessa e lê sobre o assunto possivelmente sabe repetir quais os nomes cotados para esta ou aquela pasta, mas ninguém sabe dizer para o quê mesmo se fará essa reforma.Ora, ora, dirá o espertíssimo, lamentando tanta falta de tirocínio: a reforma, é público e notório, serve para acomodar os partidos governistas e garantir apoio aos interesses presidenciais no Congresso. Serve também para transferir poder de fogo a partidos e candidatos em futuras disputas eleitorais e presta-se, num patamar mais pragmático, para conferir a seus ocupantes a prerrogativa de distribuir favores e atender a interesses privados sob o gentil patrocínio dos cofres públicos.

Na reforma agora em curso há uma extensa lista do que sabemos e outra mais cheia ainda de coisas a respeito das quais tudo desconhecemos. É do conhecimento geral, por exemplo, que o deputado Ciro Gomes não quer voltar à equipe ministerial, pois prefere, do Parlamento, se preparar para futuras incursões eleitorais livre da disciplina imposta a um ministro.

O País sabe também que o PSB, partido de Ciro Gomes, considera direito seu manter a pasta da Integração Nacional, objeto do desejo do PMDB, partido grande, dividido e cujo apetite insaciável é também velho conhecido de todos.

Não sabemos, entretanto, qual a serventia do Ministério da Integração Nacional. Obviamente, a pasta não se limita a alimentar a interminável discussão sobre a transposição das águas do Rio São Francisco. Deve ter funções importantes, tarefas fundamentais a serem executadas e projetos interessantíssimos para a coletividade a serem implementados, mas aos partidos e ao governo não ocorre conversar com a sociedade a respeito.

Sobre o Ministério das Cidades - pasta criada no primeiro governo Lula em tese para enfrentar as grandes questões que atingem as regiões metropolitanas e estudar de que maneira é possível melhorar a vida nas cidades, conter a migração para os grandes centros e reproduzir País afora as experiências bem-sucedidas de pequenos e médios municípios - sabemos que Marta Suplicy almeja ser titular da pasta e que o PP pretende continuar à frente dela.

E por que este ministério é assim tão desejado?

Porque tem orçamento bom, mobiliza prefeitos e dá chance ao titular de executar projetos de visibilidade (habitação, por exemplo) em grandes cidades. Até aí, atendeu-se ao interesse de seus ocupantes. Mas e o público, o que pode esperar do desempenho dessa pasta?

No princípio, o plano era fazer pequenos seminários regionais que culminariam num grande congresso nacional de cidades, a partir do qual seria montada uma espécie de plano diretor com vistas à melhoria da qualidade de vida nos municípios.

Nunca mais se tocou no assunto e, agora, quando o PT pleiteia a pasta para Marta Suplicy, só se fala sobre a utilidade do ministério como palanque preparatório às possíveis candidaturas da ex-prefeita ao governo de São Paulo ou à sucessão presidencial de 2010.

Plano de governo mesmo só aparece no cenário quando o assunto é a economia. A pasta da Justiça, tão importante quanto os ministérios da área econômica para a vida nacional, entra na discussão da reforma só como pano de fundo do destino reservado ao ministro Tarso Genro.

Ficamos sabendo, no episódio do documento endereçado ao último encontro nacional do PT, que para o ministro a questão da corrupção é subalterna à conveniência política das internas do partido.

Um dia ele incluiu o tema no documento e, no outro, retirou em função da conveniência das disputas de grupo. Essa peculiar noção de princípios preocupa quando o autor senta praça na ante-sala do gabinete principal do Ministério da Justiça.

Que Tarso Genro não aborde o tema da segurança pública antes de ser confirmado no posto, compreende-se. Mas é inusitado que seu partido e seu governo não digam ao País se o ministério, sob nova direção, tratará com seriedade e profundidade do assunto ou se continuará a funcionar como advocacia-geral dos governistas envolvidos em problemas jurídico-policiais, central de produções espetaculosas da Polícia Federal e nada mais.

Como ambiente de futricas e disputas fisiológicas entre partidos, a reforma ministerial enterra a concepção de coalizão programática prometida logo após a reeleição e se assemelha a uma competição de gente que briga entre si pelo poder, sem informar qual é mesmo a parte que cabe ao público pagante desse vasto latifúndio.

Custo-benefício

À falta de critérios objetivos de eficácia a considerar, o dilema sobre a nomeação de Marta Suplicy limita-se ao exame do que renderá menos prejuízo político: mantê-la fora ou integrá-la ao ministério.

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