A NOTÍCIA de que neurocientistas do Instituto Max Planck já podem ler o que se passa no cérebro humano reaviva uma polêmica. Em dezembro do ano passado, a "Economist" afirmou que, para efeitos científicos, a idéia de livre vontade estava em xeque. Alguns acadêmicos, como Christopher Slobogin, da Universidade da Flórida, afirmam que a genética poderá dizer, com antecedência, quem tem propensão ao crime. Com isso, todo o esforço deveria ser concentrado na prevenção.
No fundo, a polêmica é parecida com a que se trava no Brasil. Aqui, como ainda não estamos tão mergulhados nos avanços da genética, se afirma que a estrutura social é a principal determinante do crime.
Os argumentos não se sustentam quando se avalia a trajetória do presidente da República. Estaria condenado à margem, e, no entanto, dirige o país. E, principalmente, não explicam como milhões de famílias pobres decidiram ter uma vida correta.
A determinação social é importante. Assim como a psicanálise, que abalou a mística de decisões puramente racionais. Juntos com a genética são instrumentos vitais em qualquer programa futuro de prevenção. Quando os cientistas avançarem em suas pesquisas, deverão constatar também que, apesar de geneticamente determinadas, duas pessoas com as mesmas características podem seguir caminhos diferentes.
A pressão para que se suprima o conceito de livre vontade deverá prosseguir, e só o desdobramento da pesquisa poderá, no final, dizer quem tem razão. Estou aberto para tudo.
Neste momento, é preciso considerar que a ação racional pode vencer determinações sociais, o romance familiar ou mesmo características genéticas. Dizer sim ou não para isso tem grandes implicações políticas. Em primeiro lugar, para que as pessoas não sejam, prematuramente, culpadas. Em segundo, para nos proteger das tiranias, que também duvidam da ação racional dos indivíduos.
Em terceiro lugar, para afastar a idéia de um mundo chato e previsível, onde a liberdade humana é apenas uma ilusão.
Embora baseados em métodos experimentalmente controlados, os entusiastas da genética poderiam olhar para o século passado, em que a psicanálise floresceu. No princípio, há uma forte tendência totalizante, uma grande vontade de explicar tudo a partir da nova teoria. O marxismo apanhou muito da realidade. Em tese, também deveria ser um bom conselheiro. Mas quem abre mão de explicar tudo, definitivamente? Os homens apenas mudam de cama, mas continuam sonhando com o absoluto.
assessoria@gabeira.com.br