Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 27, 2007

A retórica da 'Opep do etanol'


editorial
O Estado de S. Paulo
27/2/2007

Os brasileiros tendemos muitas vezes a superestimar o alcance de eventos no âmbito das relações internacionais que envolvam o País. A passagem do presidente George W. Bush por São Paulo, na quinta-feira da próxima semana, parece ser um desses acontecimentos dos quais se espera, com um otimismo talvez insuficientemente alicerçado nos fatos, que produzam benefícios incomuns para o interesse nacional. Para evitar decepções futuras, como ocorreu em mais de uma ocasião, conviria moderar as expectativas sobre os propósitos e os resultados da rápida visita do titular da Casa Branca. Manda a experiência, portanto, tomar com o proverbial grão de sal as trepidantes avaliações de setores interessados, segundo os quais o motivo da viagem de Bush seria a intenção dos Estados Unidos de formar uma portentosa parceria com o Brasil no setor de biocombustíveis.

Isso, por sua vez, daria lugar a nada menos do que uma “Opep do etanol” - um pujante mercado hemisférico de álcool que garantiria o suprimento crescente do produto ao maior consumidor mundial de energia e “viciado em petróleo”, no dizer de Bush. É verdade que, em conjunto, os dois países já respondem por quase 3/4 da oferta mundial de etanol. É verdade também que a ainda irrisória participação de fontes alternativas na matriz energética dos Estados Unidos só deverá crescer daqui para a frente, pelo efeito combinado da questão ambiental com a questão geoestratégica do acesso ao petróleo do Oriente Médio. Mas não é primariamente por isso que o presidente virá a São Paulo.

A sua viagem, e não só ao Brasil, é antes de tudo uma tentativa de reparar o tratamento negligente e não raro áspero de Washington em relação à América Latina nos últimos anos. Bush não apenas deixou de cumprir a sua promessa da campanha presidencial de 2000 de estabelecer um “compromisso fundamental” com a região, como ainda - no clima belicoso do pós 11 de Setembro - entregou a condução da sua política latino-americana a alguns dos mais intratáveis falcões da administração republicana, adeptos da rombuda teoria de que os países ou são aliados incondicionais dos EUA ou são aliados objetivos de seus inimigos. Com a ida de Condoleezza Rice para o Departamento de Estado, em 2005, a atitude americana diante dos vizinhos continentais voltou a ser cordata - e mais inteligente para a sua prioridade de conter a penetração do chavismo.

No caso específico do Brasil, o etanol vem a calhar para essa política de boa vizinhança, já favorecida pelo entendimento pessoal surpreendentemente amistoso entre Bush e Lula. Nem por isso há razões para crer que a retórica da Opep do etanol fará os Estados Unidos abrir efetivamente o seu mercado ao produto exportado pelo Brasil, sobre o qual incide uma tarifa protecionista de US$ 0,54 por galão. Nem um dos mais entusiastas defensores americanos da parceria no setor, o conselheiro da secretária Condoleezza para questões energéticas internacionais, Greg Manuel, admite mudanças na política aduaneira. “As tarifas não estão na mesa de negociações”, afirma sem rebuços, em entrevista ao Estado (Caderno Aliás, de domingo).

Nem era de esperar que estivessem, dado o poderio do lobby dos produtores de milho - a fonte do etanol americano -, sem falar na fragilidade de Bush em face de um Congresso de maioria democrata. No seu discurso do Estado da Nação, em janeiro último, ele mencionou a meta de redução de 20% do consumo de gasolina no país até 2017, o que exigiria uma oferta adicional de 132 bilhões de litros de combustíveis alternativos. Nesse caso, exportar etanol para a América do Norte seria um negócio lucrativo, apesar da barreira protecionista. O problema é que essa meta é puramente declaratória: faltam a Bush as condições políticas para ir das palavras aos fatos. De qualquer maneira, não tem sentido especular sobre o tempo que os EUA levarão para trocar o combustível fóssil pelo biocombustível.

A meta modesta dos americanos não vai além de uma participação de 5% dos biocombustíveis na sua matriz energética, no médio prazo. A independência americana do petróleo, de que fala Bush, é um “mito político”, diz o ex-embaixador saudita em Washington Turki al-Faisal. Ainda não há como desmenti-lo.

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