Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 24, 2007

Roberto Pompeu de Toledo


O humor lúgubre
que domina o país

A retomada do projeto de um trem veloz
entre Rio e São Paulo é uma boa notícia,
mas... dá para levar a sério?

Excelente notícia. A Valec, empresa estatal que administra a liquidação da Rede Ferroviária Federal, recebeu do Ministério dos Transportes a tarefa de preparar e realizar licitação internacional para enfim tornar realidade o velho sonho de um trem de alta velocidade ligando Rio de Janeiro e São Paulo. Pelo menos para isso a crise do transporte aéreo serviu – tirou da letargia o projeto de unir as duas cidades mais populosas do país por um moderno sistema de trens. A idéia, no governo, é ter o trem em funcionamento ainda antes do fim do governo Lula.

A notícia foi dada na quarta-feira pelo jornalista Xico Vargas, em sua coluna no site NoMínimo. O percurso deverá ser feito em não mais que duas horas. Considerando-se que viajar de trem dispensa os rituais de embarque e desembarque nos aeroportos, a opção pela via férrea tomará o mesmo tempo, ou quase – ou muito menos, quando o tráfego aéreo enlouquece –, que a opção pelo avião. Com isso, espera-se uma queda considerável na linha aérea que é, de longe, a mais movimentada do país. Jornalista bem informado e sagaz, Xico Vargas acrescentava uma pimenta a suas informações. Dizia que a obra, segundo se comentava em Brasília, alimentava "o irrefreável desejo do PMDB de voltar ao Ministério dos Transportes". Não é de duvidar. Mas, independentemente disso, a notícia de que o trem-bala Rio–SP pode realmente estar nos trilhos em quatro anos é de comemorar. Ou não?

Não. Dos mais de sessenta comentários à notícia postados no site até a noite de quinta-feira, a maioria esmagadora era de dúvida, descrença ou pura esculhambação. "Será o trem bala... perdida", dizia um deles. Outro acrescentava, no mesmo veio: "Se esse trem é bala mesmo, deve começar pelo vidro, à prova de bala". Um terceiro afirmava ser impossível um trem que desenvolva alta velocidade num país em que as vacas pastam livres pelas estradas. E se o trem se encontrar com uma delas? Na mesma tecla dos desastres, um quarto dizia: "Já consigo antever o documentário no Discovery sobre o pior acidente ferroviário do mundo". Mas para haver desastre é preciso imaginar a linha em operação, o que precipitou a objeção de um quinto comentarista: "E você acha que vai chegar a funcionar, para ter acidente?".

Grande parte dos comentários assentava-se na desconfiança de que obscuras transações são inseparáveis de um empreendimento desse gênero. "Desta vez então o PMDB enrica de vez", dizia um deles. Outro: "A obra será orçada em mil, antes do seu início já terá custado dois mil, antes de um décimo ter sido realizado já terá consumido cinco mil e em seguida será paralisada por 'falta de verba'". Outro ainda: "Quando assentarem o último trilho, já roubaram os outros". E mais um: "Continuo com a suspeita de que é melhor pagar logo a comissão aos interessados e não fazer nada do que arcar com micos e mais micos". Houve um comentarista que, dado o porte da iniciativa, defendeu a criação de um ministério exclusivo para cuidar dela. "Esse ministério poderia estar na cota do PMDB, que teria, por exemplo, no Newton Cardoso, um nome experiente e capaz de tocar o projeto."

A irresistível atração do atual governo pela marquetagem foi lembrada. "O governo Lula não passa uma semana sem um factóide", dizia um comentário. Outros externavam seu ceticismo com base nas experiências passadas. "Alguém aí lembra do Trem de Prata?" Ou: "Vai ser a nova Ferrovia do Aço". Havia quem enveredasse pelas razões técnicas. Se o Rio está no nível do mar e São Paulo a uma altitude de 700 metros, "como imaginar uma linha, se não reta, ao menos próxima disso, para permitir a velocidade de um trem digno de ser 'bala'?". Uma questão cultural também foi levantada: "Posso afirmar que esse tipo de tecnologia (a dos trens europeus de alta velocidade) é conseqüência de uma cultura ferroviária madura, de uma extensa malha funcionando impecavelmente por gerações". Enfim, houve o comentarista que preferiu ser direto, brutal e rasteiro: "Duvido!!!!!!!!! Tamo é precisando construir presídios, milhares".

O pequeno mundo dos comentários do NoMínimo é um resumo do que vai pela cabeça dos brasileiros. Se há alguma coisa em que o país evoluiu é no conhecimento, pelo público – ou pelo menos pelo público que acompanha as notícias –, de como as coisas funcionam. Sabe-se hoje que raramente há iniciativa governamental que já não saia do forno tisnada pela tentação da marquetagem. Sabe-se que dificilmente haverá obra sem propina e negociata. Sabe-se que obras que começam nem sempre terminam e que mesmo as que terminam não necessariamente terminam bem. Acrescente-se que, no momento, um clima lúgubre toma conta do país. Olha-se para Brasília e vê-se o governo enredado na mesquinha questão da partilha de cargos. Olha-se para as ruas e depara-se com o caso do menino arrastado por um carro em movimento até a morte. Vai se apagando a expectativa de dias melhores. Reina a descrença quanto à possibilidade de os governantes resolverem alguma coisa, qualquer coisa.

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