Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O Banco Central e o mercado

Ou o BC eleva a velocidade da redução da Selic ou o mercado continuará a pô-lo na parede, valorizando ainda mais o real


O LEITOR desta coluna conhece uma imagem que uso com freqüência para caracterizar a economia brasileira nos últimos dois anos. Durante décadas, os analistas foram obrigados a se guiar no Brasil pelas estrelas e astros (superávit primário, reservas, risco Brasil etc.), pois uma espessa neblina não permitia outra alternativa.
Hoje, está claro que essa situação era resultado de nossa fragilidade externa e das crises cambiais recorrentes que vivíamos.
Com o notável ajuste dos últimos três anos, essa neblina dissipou-se e os agentes econômicos podem utilizar novamente os indicadores comuns às outras economias de mercado. Os parâmetros meramente financeiros perdem força para os do lado real, como mercado de trabalho e a situação das empresas e dos trabalhadores. Estou falando de indicadores de renda, emprego, produtividade etc., que por muito tempo foram considerados secundários na análise de conjuntura. Pena que poucos analistas conseguiram fazer essa reciclagem e a grande maioria continua a se pautar pela complexidade do cosmo e outras variáveis indiretas.
Quero falar hoje sobre uma das formas mais eficientes para entender e acompanhar o que acontece em uma economia de mercado como a brasileira neste início de segundo mandato de Lula. Esse instrumento de análise é muito simples e quase sempre muito eficiente. Eu poderia defini-lo como sendo apenas OLHE O MERCADO.
Com a sofisticação e abrangência dos mercados futuros que existem atualmente -e o Brasil tem um dos mais eficientes no mundo emergente-, os preços projetados para o futuro nos mostram o que está acontecendo na economia de forma muito nítida.
E o que os mercados futuros dizem hoje é que o BC está errado na gestão dos juros e do câmbio. Em outras palavras, ou o BC reconhece a dominância do setor externo no metabolismo da inflação e aumenta a velocidade da redução da taxa Selic -o que não é de forma nenhuma incompatível com a meta de inflação- ou o mercado continuará a colocá-lo na parede, valorizando ainda mais o real e reduzindo continuamente os juros futuros.
Os mais fortes sinais de que o BC está errado são a inclinação negativa dos juros mais longos, entre 2008 e 2012, e a aposta já colocada nos preços de que o BC poderá voltar a cortar os juros em 0,5 ponto percentual entre abril e julho, apesar de toda a sua retórica dura.
Sabemos, ou deveríamos saber, que a estrutura a termo de juros em uma economia com uma política monetária ajustada é inclinada positivamente. Quando isso não acontece, alguma coisa está fora de sintonia. Normalmente, juros de prazos mais longos menores do que os de curto prazo indicam uma ação do Banco Central para reduzir a inflação por meio de um freio na atividade econômica. Mas será que isso está acontecendo no Brasil de hoje? Acredito que não, e uma prova disso é que as estimativas de inflação para 2007 e 2008 já estão bem abaixo do centro da meta estabelecida pelo CMN.
Em outras palavras, o mercado já percebeu que há algo de novo no mecanismo de formação de preços e não está preocupado com a inflação. Nessas condições, o jogo a que estamos assistindo, com ímpeto renovado desde que o Copom reduziu a velocidade do corte da Selic para 0,25 ponto percentual, chama-se "carry trade", isto é, trocar dólares por reais e aplicá-los em juros no Brasil.
A busca por rentabilidade maior está acontecendo em vários outros países emergentes, mas o caso brasileiro tem sido especial por razões muito simples: os juros reais de mais de 8% ao ano são muito elevados para um país que acumula dólares a uma velocidade incrível e cuja autoridade monetária goza de grande credibilidade.
O Banco Central tem tentado corrigir essas distorções comprando volumes crescentes da moeda americana sem perceber que, ao fazer isso, está simplesmente jogando mais lenha na fogueira do "carry trade". O volume de reservas já passou do razoável, e a inflação não tem dado sinais de vida mesmo levando em conta todos os fatores de risco apontados nas atas do Copom. As justificativas do Banco Central para a sua opção de reduzir os juros lentamente estão ficando indefensáveis. E quem está dizendo isso com todas as letras e clareza até incomum é o próprio mercado, ao vender dólares e contratos de juros longos na BM&F.
Os juros dos contratos que vencem entre 2009 e 2012 estão sendo negociados com taxas menores do que 11,80% ao ano. Ora, essa curva inclinada para baixo acaba por reduzir em muito a eficiência da política de taxas da Selic, já que a economia responde aos juros longos, o que torna ainda mais difícil o discurso do Banco Central.

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