Jorge Wilheim*
Três temas se têm destacado no noticiário recente: o acidente nas obras do Metrô, as alterações no projeto da reforma da sede dos Correios e o PAC divulgado pelo governo. Todos trazem à tona, por vezes de forma dramática, o problema e a importância do planejamento e do projeto, suscitando a presente reflexão.
Curiosa a tarefa do arquiteto: ao elaborar um projeto, lida com algo que não existe, propondo um espaço a ser construído; quando planeja, propõe situações futuras e estratégias para sua realização. Planejar e projetar, portanto, significa imaginar e propor um futuro, seja em escala pequena, doméstica, seja em escala grande, urbana ou mesmo nacional.
Sem sonhar o ser humano não progride; e sem propor futuros o País não se desenvolve e se torna presa passiva de lógicas setoriais, parciais, limitadas aos interesses corporativos e egoístas de setores do mercado. O desenvolvimento, para ser justo e eficaz, exige prévio planejamento e projeto; assim como a proposição das estratégias que levem a construir o objeto imaginado. Como dizia Einstein, 'a imaginação é mais importante do que o raciocínio, pois amplia o campo das possibilidades'.
Não é apenas o arquiteto que lida com o futuro; no campo do planejamento sua atuação é compartilhada; e há campos de projeto específicos a outras disciplinas. Porém, na História da humanidade, coube ao arquiteto boa parte das propostas de futuros espaços, hoje conhecidos como os monumentos e as cidades que, concretizando os respectivos projetos, representam a cultura das diversas épocas da História. Aliás, até o século 19 o arquiteto não se limitava a riscar seu projeto; ele conduzia a própria edificação, pois o engenheiro surge apenas na era napoleônica, quando da criação da École Polytechnique, desenvolvendo-se ao longo daquele século em resposta às exigências de especialização da revolução industrial.
O desenvolvimento brasileiro está eivado de demonstrações de atraso por parte dos que presunçosamente se autodenominam elites, seja as governamentais, seja as oligárquicas. Sua ocasional ignorância e seu egoísmo causaram atrasos ao desenvolvimento nacional, no Império e na República, estendendo a escravatura até 1888, recusando o capitalismo que já florescia na Europa, abandonando ferrovias ou ignorando inúmeros bons projetos. Em São Paulo, a falta de planejamento e de respeito por projetos atrasou, por exemplo, em 20 anos o início das obras de canalização do Tietê urbano e, mesmo quando ele se realizou, se abandonou o projeto de Saturnino de Brito (1928), que preservava a várzea como 'território pertencente ao rio'; mais tarde (1966) se ignorou o esquema viário do vale do Tietê que propus, contratado pelo prefeito Faria Lima, e se deixou de completar nessa mesma região o projeto de parque ecológico de Burle Marx (1975) que se estenderia de Osasco até Itaquaquecetuba. Tampouco se utilizou o projeto de Niemeyer (1986). Ocasiões perdidas cujas conseqüências sofremos...
É necessário que ocorram desastres e mortes para que a emoção, da qual está carregada nossa gente, obrigue a mídia e as autoridades a perceberem a importância do planejamento e de um bom projeto. Obras públicas soem ser licitadas sem um projeto completo e freqüentemente as próprias empreiteiras preferem que assim seja, dando origem a revisões e aumento de custos durante as obras. A inexistência de projeto, sua insuficiência ou baixa qualidade, resultam sempre em elevação de custos, quando não em péssima construção ou tragédia.
No caso de projetos de arquitetura, no exterior se dá mais importância a quem projeta os espaços em que vivemos, enquanto aqui a freqüente falta de visão e a ignorância até prescindem de projetos ou não os valorizam. Como compreender que projetos de obras públicas, do Parque Anhembi ao Correio Central, ou obras privadas em cujos anúncios raramente comparece o nome do arquiteto autor, sejam realizados ou alterados sem a participação de quem os imaginou, evitando inclusive que eles acompanhem a construção a fim de fazer adequações que respondam a situações supervenientes?
No caso do Anhembi, por ação de sucessivos responsáveis, foram abandonados a bela praça projetada por Burle Marx e o terraço gastronômico (precursor das praças de alimentação dos shoppings) de nosso projeto, colando-se em seu lugar um grotesco anexo ao pavilhão de exposições, desmerecendo esta obra pioneira. Sempre explicitamos, aliás, que sua expansão se deveria dar nos espaços ociosos do Campo de Marte, do outro lado da rua, e não destruindo os generosos espaços públicos do projeto de 1963-1969!
Fazem muito bem os arquitetos da equipe UNA em reclamar na Justiça por ter sido alterado o belo projeto que transforma o Correio Central em centro cultural, escolhido em concurso nacional; e por não terem sido solicitados a acompanhar e a conduzir sua execução. Cabe também uma chamada aos arquitetos que ocasionalmente são encarregados por superiores hierárquicos ou clientes de alterar o projeto de colegas... A ética mais comezinha os obrigaria a contatar os autores originais, discutindo com eles as eventuais alterações necessárias à fase de construção.
Finalmente, a respeito do tema aqui focado, cabe saudar o PAC, denotando um planejamento integrado raro no setor público, onde ele é mais necessário, com seus objetivos de longo prazo a serem alcançados mediante estratégia imediata, sabiamente envolvendo recursos públicos e privados. Quanto à defesa do projeto, lato sensu, caberia ao Instituto de Arquitetos e entidades congêneres dar apoio aos colegas da UNA e aproveitar o ensejo para iniciar campanha em defesa do planejamento e do projeto, exigindo respeito a seus autores, valorizando o seu papel, a fim de interromper a visão atrasada que, ao prescindir de planos ou desvalorizando projetos, prejudica o desenvolvimento do País.
*Jorge Wilheim é arquiteto e urbanista